A reforma ortográfica da língua portuguesa

Perguntam-me sobre a reforma que vigerá a partir de janeiro próximo. Dei uma paradinha no romance A curva do rio (nome provisório que me incomoda, entretanto, ainda não consegui mudar) para falar sobre a tal mudança ortográfica.

É incrível como a ortografia incomoda a tantos, enquanto ninguém se indigna com o cretino gerundismo e os esdrúxulos chavões que “pedofilam” os ouvidos brasileiros através da chula televisão em todos os horários. Exceções raríssimas. Nada me tira da cabeça grande e quadrada – cearense sem honra e sem vergonha de ser – que o motivador de tal reforma seja apenas o maldito capital, o dinheiro, que nos empurra à casa do capeta numa velocidade de formula 1. Odeio ser marxista. Mas há ocasião em que não dá para não ser.

Toda a biblioteca que você, caro leitor – plagio o amigo Éder, culto e fino, apesar de militar – estará ultrapassada em janeiro. A melhor utilidade que você poderá dar aos livros que tanto ama, será doá-los aos intelectuais e autoridades, que outorgaram tais mudanças, na condição de que estes os utilizem como papel higiênico.

Quem quiser me cortar a língua, que corte se tiver poder para isso. Eu é que não vou me prestar ao ridículo em nome da bestialidade e da eterna mania de nivelar por baixo a inteligência a alheia.

Paixões à parte, fale eu da reforma. Dias atrás li num banheiro fétido de um inferninho do centro de São Paulo, capcioso anúncio, seguido de um número de celular: “procuro homens dotados que gostem de transar, deixo por tudo, sem frescura”. Antes de delirar, caro leitor, note que o por não tem acento.

Isto significa que se pode ou não ter razão (no caso de delírios lascivos) e que a ortografia é importantíssima. Porém, qualquer mudança deve ser feita de maneira séria, ou seja, há-se que responder com honestidade a questão: é preciso ser feita e quais os benefícios e malefícios?

Então fontes apontaram as seguintes mudanças que nos custará uma fortuna em livros, revistas, dicionários... Mas, eis as novas regras que salvará a educação nacional, uma das piores do mundo em todos os índices qualitativos e quantitativos:

1 - Fim do acento circunflexo em flexões verbais como lêem.

Você acha que tal mudança não merece a incineração de sua coleção? Então fique com uma estante velha, vencida, sem serventia nenhuma, a não ser àquela já mencionada. Ou reze para que voltem, à mídia, Alexandre Garcia, Salete Lemos, Cristóvão Buarque e comprem a causa sem perderem na guilhotina as respectivas cabeças.

2 – Hífen

Que diferença faz esta alteração, a não ser aumentar ainda mais o gigantesco fosso cheio de normas da língua que nem é brasileira nem portuguesa? Poucos brasileiros compreendem o emprego do hífen – até mesmo famosos gramáticos se omitem – que ganha mais um item desnecessário. Quem já não compreendia o hífen, compreenderá menos ainda. Eu já reservei um macete para depois de janeiro: “Sapato rasgado, calos dobrados”. Ou seja, quando a segunda palavra começa com s ou r, dobra-se a consoante, assim: contra-regra, contrarregra. E não me diga que meu raciocínio é menos inteligente do que a nova regra.

3 – Fim do acento agudo em ditongos abertos e paroxítonas.

Sem comentário. Preciso peidar. Licença.

4 - Acento diferencial.

Bunda, tem ou não tem sexo? Quem é apaixonado por um belo sesso, importa-se com o que está na frente deste? Profundo! Cínico, não. Andei pesquisando os movimentos messiânicos ligados ao Padre Cícero e encontrei o Pau de Colher. Até hoje não consegui tirar a dúvida: colher é verbo ou substantivo? Quem nasceu na roça sabe que estou falando do pau de colher, que auxilia na colheita; e existe o pau do qual o colhereiro fabrica seu produto, a colher. Prodígio...? Obrigado.

5 – O alfabeto passa a ter 26 letras.

Esta nem merece gastar latim. Tarrenego! Cheio de pentelho, comecei a freqüentar a escola, lá no sertão tórrido cearense e minha professora, que tinha diploma de 4ª série, me ensinou que eram 23 mais 3. Então, para economizar neurônio, arredondei para 26 direto e nunca mais me preocupei com a quantidade de letras. O ç mesmo, para mim, é um troço somente...

6 – Fim do trema.

Das principais, está é a que mais me intriga. Parece-me que o viadinho, acima citado, era burrinho também. Acho que ele esqueceu de acentuar o pôr. Devia ser um masoquista que oferecia seu destemor diante de um fumegante garrafão de testosterona. Acima de tudo, um forte!

Tal coragem faltou aos feitores dessas regras. Faz sentido eliminar o trema e mantê-lo em nomes próprios? Que diferença pode fazer o trema em nome próprio que não faria nas demais palavras? Faltou nestes reformistas a coragem que sobrou no viadinho do anuncio: já que dá, que dê direito, ora!

Eu abulo a reforma ortográfica. Ai de ti, leitor, se me escreveres dizendo que eu deveria aspear o “abulo” por isso ou por aquilo. Mando-te ler “Xingamento – não leia".