A MÃO QUE MATA
Houve um tiro.
Um disparo no meio da noite, ceifa-se uma vida, uma história.
Não houve depois um caminho.
Não importa mais a mão que segurava a arma ou os motivos.
Acabou.
Daquele momento em diante nunca mais um sorriso, um aceno.
Nunca mais a insistência daquele último beijo.
O abraçar as crianças.
Aquela despedida cheia de volta.
Faz quanto tempo mesmo?
Quem apagou a luz?
Quem eram aquelas pessoas de luto?
O que aconteceu com os anos?
Quando parei de culpar-te por ires embora?
Cada novo tiro, cada nova morte, lembro-me de ti.
Parece que a dor do outro ascende em nós a nossa própria.
Nesse momento tem outras pessoas que choram de dor pela perda.
Não choro.
Sinto saudades.
Saudades do antes, dos risos, dos olhares, da cumplicidade, do companheirismo, da rápida passagem por nossas vidas.
Em cada um deixaste uma marca.
Em todos, deixaste a lembrança de afeto, atenção e união.
Te vejo nos teus frutos.
Não consigo odiar a morte, nem mesmo aquele que mata.
Na verdade, o que sangra é a vida que passa.
texto: Em memória de Silas Carvalho de Moura (1963-1994)