MUSAS
Lindas donzelas pálidas, vestidas de nuvens e estrelas, de olhos límpidos e pés minúsculos que mal pisam o chão, mensageiras dos deuses, a guiarem poetas por sendas dos Paraísos, seres sem peso de carne osso e sangue; outras, vampiras, por sendas bem menos etéreas. Na Terra, robustas pastoras queimadas de sol, vestidas com rústicas túnicas de algodão, os pés calejados pelos seixos, a tangerem carneiros não tão brancos, por colinas nem tão suaves nem tão cristalinas nuvens, a criarem os filhos e filhas de seus pastores humílimos; putas tristes a morrerem tísicas em prostíbulos sem qualquer romantismo. Seres transfigurados em milhares de páginas, a povoarem através dos séculos a imaginação dos mortais.Ainda hoje, algumas retardatárias, de inútil função e rosto, a respirarem nestes começos do século XXI.
Lauras, Beatrizes, Dinamenes, Marílias, Eugênias, Carmens e outras tantas múltiplas anônimas, seres de eleição, pequenas mortas na pequenez do dia-a-dia, onde não chegam as estrelas e cujo mistério nenhum verso compreende nem o poderia. Musas de todos os tempos, quantas a morrerem à míngua da presença e da carne de seus poetas, fartas de suas perfeitas palavras e almas; outras, abandonadas aos próprios poderes infernais sem remissão.
O futuro que não existe gira cada vez mais rápido no presente perpétuo desta cidade de acrílico e infinita claridade, na qual também os becos mais escuros resplandecem de lucidez e os sonhos são programados para ocorrerem sem qualquer milímetro de dúvida, neste agora quinqüagésimo segundo após a meia-noite do PRIMEIRO DE TODOS OS INFINITOS DIAS ABSOLUTAMENTE IGUAIS.