O Inútil
Texto selecionado para o livro do "2º Prêmio Escriba de Crônicas 2014" e integrante da antologia "São Paulo - Uma Metrópole de Palavra".
Uaaah! Que tédio! Nada acontece nessa vida.
Vejo no relógio de pulso com a pulseira quebrada, aqui perto de mim, que já são dezessete horas. Hoje, eu tinha a perspectiva de sair um pouquinho, passar um tempo fora desse lugar, trabalhar, cumprir minha missão. Agora, minhas esperanças estão mortas. Tornei-me inservível, mas não devido a minha própria vontade.
Acreditava ter chegado o grande dia, o meu dia, mas as pessoas deixaram a casa, não ouço as conversas e discussões de sempre, fora o ligar e desligar da geladeira, o silêncio é absoluto. Ninguém está trabalhando hoje, será que foram viajar? Por que não lembraram de mim? Às vezes, imagino que nem sabem que é aqui no andar de baixo que estou trancado.
Eu, após meu nascimento e registro oficial em cartório, acreditava que estaria no mundo para dar minha colaboração, que ela seria importantíssima e que, em união com outros, poderíamos revolucionar, mudaríamos o mundo, e isso tudo começando aqui em minha cidade. Mas, sem a colaboração da pessoa que me registrou em seu nome, eu não represento nada, ela é totalmente responsável por mim. Com isso, fico dependente de sua vontade. Algumas vezes, culpo a sorte, ou melhor, a falta dela, por eu ter nascido para esse indivíduo. E o pior é que ele sabe que deve satisfação à Justiça por me abandonar. Concordo plenamente que ele mereça pagar por isso, tem que se justificar.
Há muito tempo estou nesse mesmo lugar. Como companhia tenho apenas um grampeador; uma fita cassete, coitadinha, toda embolorada; uma carteira de reservista; uma caneta que é tão inútil quanto eu, pois não escreve; dois cartões de visita da mesma desentupidora; e o relógio de pulso com a pulseira quebrada, graças a ele ainda não me perdi no tempo e contarei as horas, os dias e os anos, aguardando chegar outra data que me dê alguma chance de sair daqui.
Nem sei por que conto essa pobre história de minha curta existência, ninguém me ouve mesmo. O criado é surdo, além de mudo. Ai, como é monótona a vida de um título de eleitor brasileiro!