Um amigo que se foi

Eu tinha um amigo, lá pelos idos dos oitenta, que era um sujeito considerado muito louco. Na verdade ele era filho de gente bacana, e não só bacana, gente muito boa. E era dado a uns gritos, uns comportamentos excêntricos. Quem via, achava graça, mas lá dentro de meu amigo havia um coração sofrido. Era quase que palpável aquele ressentimento que emanava de seu olhar.

Ele abusou de tudo o que podia abusar e morreu quando já estava se libertando, quando estava arrumando o apartamento para se mudar com uma mulher que, depois de tantas, ele tinha esperanças que daquela vez ia dar certo. Aí o corpo maltratado não resistiu a uma infecção que estava latente e em pouco tempo ele foi embora para o outro lado de lá.

Uma coisa que a gente não costumava conhecer ou entender e ele não sabia dizer era que ele queria ter morrido no lugar de seu irmão. Ele tinha um irmão muito querido, era bonito e inteligente, aquele sujeito modelo de filho de toda família burguesa que se preze. E o irmão havia morrido num acidente de carro violento. Alta velocidade, essa praga que incendeia a imaginação e o impulso nos jovens. Quando batia a dor no peito ele dizia aos pais que eles teriam preferido que ele tivesse morrido no lugar do irmão. E é muito provável que não obtivesse resposta convincente.

Essa tal história de modelo. A gente cai nessa esparrela com muita facilidade. Por mais que a gente tenha uma visão crítica dos pais, o que se verifica como evidência é que se acaba repetindo os mesmos padrões dos velhos que se tem na conta de ultrapassados. Pode-se matar pai e mãe em terapias da hora, mas tá lá bem no fundo, o padrão repetitivo. O pecado original?

Especialmente quando não estamos abertos a escutar a voz profunda do coração, que pede fé e redenção, é que a queda é bem mais estrondosa. Pois quando aceitamos a fé, está escrito no Livro Sagrado que pode me faltar pai e mãe, mas o Amado Eterno jamais me falta. Só que a gente acaba acreditando mesmo é no pai e mãe daqui deste chão batido e em como eles elaboram o afeto pelos filhos; as preferências acabam sendo reveladas, e aí o filho acredita que os pais estão certos e não consegue voar até o Infinito para escutar: "Meu filho amado, eu os fiz a todos diferentes, cada qual com seu valor e sua especial e única personalidade. E é para que todos aprendam o caminho do amor e da colaboração."