Surpreender

O que é capaz de te surpreender? Devido a complexidade dos indivíduos, o que é surpreendente para um, pode não significar absolutamente nada para outro. As pessoas são realmente diferentes umas das outras, podemos ter uma série afinidades com alguém, mas certamente descobriremos que divergimos em outras tantas questões com este mesmo alguém.

As diferenças são por sua vez extremamente importantes no que tange os relacionamentos. Não apenas no aspecto da rivalidade ou competição – fenômenos comuns no meio social – as diferenças devem ser percebidas como “qualidades complementares”, isto é, graças às diferenças podemos nos completar. Devido às diferenças é possível fazer programas novos, diversificar a vida, dinamizar as relações, redecorar a mobília. Se todos fossem iguais tais coisas seriam improváveis de ocorrer, assim uns escolhem ser professores, outros escolhem ser mecânicos, etc. Graças a estas diferenças podemos aprender com um e ter o nosso carro concertado por outro. As diferenças também são fundamentais na produção das idéias, a variedade de conhecimentos só é possível devido as nossas opções e gosto, os gêneros literários são fruto desta subjetivação.

As diferenças, porém, muitas vezes são levadas ao extremo. Quando isso ocorre vemos a segregação racial e social, os conflitos étnicos e religiosos, guerras entre povos e governos, confrontos entre torcidas organizadas e por ai vai. Tal extremo leva alguém supor ser superior, mais puro, mais espiritual que outros, faz com que uns sintam-se elegidos para civilizar outros. É deste tipo de extremos que movimentos como o apartheid, ou o nazifacismo fossem assimilados por alguns.

Este feriado, fui para o sítio de um amigo, fiquei agradavelmente surpreso com o que presenciei. O lugar parecia o paraíso, minha esposa se deliciou pescando enquanto eu degustava Perry Anderson. Cercado de amigos nos divertimos muito, todos estavam meio que estarrecidos com o lugar. Embora a admiração fosse geral, logo as diferenças foram sendo demonstradas. Alguém achou que a piscina poderia ser um pouco maior, outro lamentou que o campinho de futebol não estivesse pronto, uns não deram a mínima para tais coisas e passaram a maioria do tempo pescando. Ainda houve aqueles que repararam na casa, a disposição dos móveis, o tamanho dos cômodos, etc., mas tais diferenças são perfeitamente normais e aceitáveis.

O que não é aceitável é saber o quanto os países ricos são indiferentes aos pobres. O que me surpreende é verificar que as principais causas de morte no mundo estão relacionadas à pobreza e que cerca de dezessete milhões de crianças morrem por ano no mundo de doenças evitáveis e erradicadas há anos nos países ricos. É surpreendente saber que aproximadamente cinco mil padrecos norte-americanos molestaram treze mil crianças. Surpreendo-me que ainda haja protetorados e colônias, que o trabalho escravo ainda seja uma realidade no mundo. Fico surpreendido ao perceber o quanto nos sentimos “diferentes” do nosso “semelhante”, ao ponto de ignorá-los e não há nada pior que isto, pois, se todas estas coisas não nos surpreendem mais é porque chagamos ao nosso pior estágio humano. Quero continuar me surpreendendo como no verso de Manuel Bandeira, que ao constatar que o bicho que revirava o lixo, não era um cão, nem um gato, nem um rato, o bicho meu Deus era um homem!

Jonatas C. de Carvalho

histosofia@blogspot.com

J Carval
Enviado por J Carval em 16/08/2008
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