Teologia numa sala de bate-papos.
– Eu sou engenheiro eletrônico e você?
– Sou teólogo.
– Que tipo de teólogo você é?
– Sou do tipo ateu.
– Como assim! Pensei que a teologia nos ajudasse a aproximar-se de Deus?
– Na verdade esta seria a lógica, mas o que ocorre de fato não é bem isso.
– Não entendo teologia não é “logia de Teo”, ou seja, estudo de Deus?
– Teoricamente sim, contudo “Deus”, é algo indefinido, logo não se pode estudar o que não pode ser definido.
– Como não? E os estudos sobre sentimentos como amor, afeto entre outros.
– Estes estudos não pretendem uma ciência – são no máximo uma teoria e no mínimo uma perspectiva, ainda assim trata-se de sentimento humano.
- Então estás me dizendo que é possível ser teólogo e ser ateu?
- É possível ser papa e ser ateu!
- Heresia! Acho que agora você passou dos limites.
- A heresia, dizia Rubem Alves (que é teólogo), era apenas a verdade do mais fraco.
- Esse Rubem Alves, também é ateu?
- Isso eu não sei, mas ele se afastou da igreja, e atualmente escreve sobre educação, psicanálise e á apaixonado por Nietzsche.
- Nietzsche não é o cara que disse que Deus está morto?
- Ele foi mal interpretado, na verdade ele falava de um tipo de representação de mundo, que desaparecera (a metafísica) com a chegada de outro tipo de representação; a razão!
- E quanto aos outros, os padres, pastores, bispos, você acredita que há muitos ateus entre eles?
- Bem, do jeito que eles brincam com a fé das pessoas, não devem levar Deus muito a sério!
- Você acha então que dá no mesmo, ou seja, posso até me declarar cristão, mas se uso meu sacerdócio para exploração da fé alheia, no fundo não acredito em nada?
- Acho que é pior. Um sacerdote que se beneficia de um status supostamente outorgado por Deus, está praticando algo semelhante ao estelionato. Já o ateu, é apenas um indivíduo que não liga se Deus existe.
- Mas existem ateus que são combatentes! Embora eu nunca tenha lido, sei de vários livros escritos por ateus que questionam a existência de deus. Estes caras não estão de brincadeira, é uma guerra entre criacionismo e ateísmo, não?
- Acredito que por trás da busca por uma verdade única, haverá sempre uma disputa pelo poder.
- Você acha que tudo isso é um jogo de poder entre aqueles que crêem e os que não crêem?
- Penso que se trata de algo além, durante muito tempo a verdade que regia os homens partia da igreja, nenhuma verdade poderia haver fora dela. Com o advento da razão e, sobretudo, do capitalismo, a verdade promulgada pela igreja perdeu seu status de verdade absoluta. Agora quem detém o poder de determinar o que é falso e o que é verdadeiro é a ciência.
- Mas muita gente ainda acredita em deus, muitas pessoas recorrem a rezas e orações para os seus problemas ao invés de procurar um médico, por exemplo, logo a fé ainda é uma realidade.
- Isto nos mostra que a ciência, apesar de atribuir para si o papel de esclarecedora das questões humanas, ela não conseguiu resolver as equações mais complexas da humanidade. Por outro lado ela cometeu enganos semelhantes ao da igreja ao criar dogmas quanto a produção da verdade.
- Como assim agora não entendi os dogmas para mim são leis irrevogáveis da igreja, tipo a virgindade de Maria, a ressurreição, etc?
- Quando a ciência estabeleceu que só por meio dos critérios cientificamente testados, isto é só por meio do “método científico” uma verdade pode ser anunciada, ela criou um dogma. A partir daí nenhuma verdade pode ser incluída no cenário da razão sem passar pelo crivo do método científico.
- Mas a ciência por outro lado, vive desmentindo um monte de idéias e verdades que foram desenvolvidas pela própria ciência?
- Contudo muitas coisas que existem, estão diante de nós, não podem ser trabalhadas ou analisadas pelo método científico, isto é, as subjetividades humanas ainda são uma incógnita para a ciência, por isso o sucesso da religião.
- O que você está dizendo é que a religião se mantém justamente porque a ciência ainda possui limitações teóricas para desvendar os mistérios do homem?
- A ciência é uma linguagem seletiva, não está acessível ao homem comum, já a linguagem religiosa é difundida entre os homens há milênios, ambos os fatores contribuem para a atual situação que é; embora a ciência esteja como diria Foucault, na “ordem do discurso”, a religião não foi por ela excluída, talvez a ciência nem deseje que seja, mas apenas a manterá como um discurso marginal.
- Bom acho que você me fez pirar agora, se eu entendi bem, você está dizendo que não podemos confiar nem na ciência nem na religião?
- Estou dizendo que a busca por uma verdade única, absoluta sempre deslumbrou o homem, porém, ela, a verdade, estará sempre fundamenta no campo da representação, e, como representação será sempre um ponto de partida, de um lugar específico, que ignorará tantos outros pontos e outros lugares.
- Ok, foi legal este papo, mas me deixou muito confuso, acho melhor dar uma pausa, vou tentar dormir um pouco. Confesso que estou sem chão, se não há uma verdade onde poderemos nos firmar?
- Firme-se em ti mesmo! Este é uma dica de Sócrates. Boa Noite.
- Boa noite.
Jcarval.