Nos bastidores do "É pra Já"

Hoje já faz quase cinco meses que o “É pra Já” foi inaugurado e, tanto em Gurupi como em Araguaína, o índice de satisfação do público é muito alto, estando todos os meses acima de 95% de aprovação.

Tudo isso mostra que esse serviço de atendimento rápido ao cidadão é algo que veio para mudar a cara do serviço público no Tocantins.

É importante lembrar que o “É pra Já” do Tocantins não é algo único no país, mas muito pelo contrário, pois ele segue os mesmos moldes de outros serviços que estão presentes em todo Brasil, como por exemplo: o “Vapt Vupt” de Goiânia, o “Poupa Tempo” de São Paulo, o "Psiu" de Minas Gerais e o "Ganha Tempo" do Mato Grosso, entre tantos outros.

O “É pra Já” se diferencia em diversos aspectos dos demais órgãos públicos tocantinenses. Ele fica aberto 12 horas por dia, ininterruptamente das 7 da manhã às 7 da noite, pois os guichês não fecham para o almoço. Além disso, o “É pra Já” é o único órgão adminstrativo que abre aos sábados, das 8 às 12 horas da manhã.

Outro aspecto diferencial do “É pra Já” em relação aos demais órgãos públicos se refere a aparência dos funcionários e às características do ambiente de trabalho. As sedes do "É pra Já" são ambientes belos, amplos e bem iluminados, com equipamentos e infraestrutura novinha, além de um sistema de ar condicionado de dar inveja a qualquer esquimó do Pólo Norte. Não poderia deixar de mencionar que todos os servidores estão diariamente uniformizados, bem penteados, perfumados e maqueados, sempre atendendo o cidadão com um largo sorriso no rosto e com bastante agilidade e cortesia – tudo isso acaba causando um enorme disparate com a imagem que se tem formada do serviço público em geral, pois, normalmente, quando nos referimos ao serviço público dizemos se tratar de um local caíndo aos pedaços, com equipamentos e computadores que não funcionam e, o pior de tudo, com funcionários de cara feia, atendendo com rispidez e grosseria.

Mas, pouca gente sabe quanto tempo levou até que o “É pra Já” se tornasse uma realidade aqui no Tocantins, por que a sua primeira proposta aconteceu em Palmas na década passada, em 1997, e só depois de muitas reuniões, propostas e discussões é que ele veio a ser criado cerca de 10 anos depois, em 29 de junho de 2006, através do Decreto Estadual nº 2.794. No ano seguinte à sua criação legal, em 2007, houve a seleção e treinamento dos funcionários, e um pouco depois em 14 e 24 de março de 2008 ocorreu a inauguração das unidades de Araguaína e Gurupi, respectivamente.

Esse é o “É pra Já” que boa parte dos cidadãos tem contato diário e, conforme dito anteriormente, tem tido ótima aprovação, mas esse breve relato não foi elaborado unicamente para tratar disso, pois, além disso, aqui me dedico a tratar de assuntos bem íntimos, alheios ao público, que chamo de “os “bastidores da instituição”, que é algo que só poderia ser feito por alguém que está aqui atuando diariamente.

Dessa forma, procuro apresentar uma série de impressões pessoais que fui acumulando e amadurecendo, desde o treinamento ministrado em dezembro de 2007, até os dias de hoje, quando participei de uma acalorada reunião com integrantes da SECAD (Secretaria Estadual da Administração) de Palmas.

Lembro perfeitamente que durante o treinamento todos ficaram surpresos e até mesmo um pouco assustados com as normas e regras que deveriam ser cumpridas por todos os servidores aqui. O controle de ponto, a pontualidade, a assiduidade, o uso do celular, o terminal de avaliação são alguns dos pontos que até hoje geram muitos debates fortes entre os funcionários. Mas, talvez, a questão que tem gerado mais polêmica se refere a “tão sonhada gratificação”, que foi exaustivamente tratada durante o curso de treinamento.

Agora, além disso, tudo tenho visto uma série de apontamentos e colocações diárias que batizei de “síndrome do É pra Já”, e que pretendo apresentar com detalhes um pouco mais adiante. Antes, estarei apresentando algumas informações adicionais que considero relevantes para entender a “tal síndrome do É pra Já”.

Aqui no “É pra Já”, como em qualquer outro ambiente, existem os grupos identitários, conhecidos popularmente como “panelinhas”, que são formados por pessoas diversas que supostamente apresentam determinadas características e aptidões comuns.

O grupo que mais tenho contato, principalmente por questões locacionais, é o grupo da iniciativa privada (CELTINS e SANEATINS), que são meus vizinhos. O mais engraçado de tudo é que todos os servidores dessas duas Companhias são bem parecidos no que se refere ao comportamento e, principalmente, na colocação de suas idéias e palavras. Na verdade, eles sempre escutam muito mais do que falam. Todos nós sabemos que há uma enorme diferença entre um colaborador da iniciativa privada e um servidor público, pois geralmente o da iniciativa privada sempre quer cumprir seu papel sem questionar nada, o que por um lado é muito bom. Já, o servidor público, especialmente o concursado e/ou aquele que tem costas largas, se sente à vontade para falar o que bem entende, doa a quem doer. O que por outro lado também é bom.

O segundo grupo que conheço é a "turma dos evangélicos", que, geralmente, procura ficar em paz com todos, pois o melhor para eles é sempre poder aproveitar o tempo para falar de Deus e Jesus. Um momento em que eles se sentem bastante livres e felizes para falar o que pensam é a hora da oração que acontece todo dia de segunda-feira.

O terceiro grupo é a “ turma dos festeiros” que reúne uma série de pessoas que gostam muito de festa, e ficam o tempo todo planejando festas e comemorações. Já era de se esperar algo assim, principalmente por levarmos em conta que o ambiente aqui conta com 80 funcionários.

O quarto grupo integra a “equipe de recepcionistas” que ficam na linha de frente e, por isso mesmo, acabam tendo contato com o público e com todos os guichês. Além disso, pelo volume de trabalho que acabam tendo e pelas consequentes cobranças que recebem do público e da administração o grupo das recepcionistas, muitas vezes, fica stressado ou se sentindo desmotivado. Ressalto que todos os servidores do É pra Já” já confessaram pelo menos uma vez estarem desmotivados pela falta que a gratificação faz, mas essa situação de stress das recepcionistas acontece, conforme acredito, mais precisamente pelo volume de cobranças e trabalho.

Há ainda, supostamente, um quinto grupo chamado de “ grupo dos privilegiados”, que ao meu ver, trata-se mais ou menos do mesmo grupo de pessoas que têm recebido o título de “metidos” e “esnobes”. Não sei ao certo determinar quantos fazem parte desse grupo, mas me parece que é o caso do velho embate de classes em que os operários lutam contra a burguesia.

Por fim, há ainda o “grande grupo das mulheres”, que como em grande parte dos lugares é sempre maioria. Isso pode parecer machismo, mas só quem é homem pode entender completamente o que estarei falando aqui sobre o “grande grupo das mulheres”, pois nós, homens, sabemos que as mulheres são super competitivas por natureza. E no caso específico dessa unidade do “É pra Já” em Gurupi isso fica bem claro quando vemos que existem três mulheres na chefia (uma gerente e duas supervisoras) e um montão de mulheres ao redor. O que veio piorar ainda mais essa competitividade natural das mulheres foi a promessa feita pela equipe da SECAD durante o treinamento de que os melhores trabalhadores, com o passar do tempo, poderiam ser promovidos aos cargos de gerência e supervisão.

A meu ver, existe ainda algo muito pior que exacerba essa competição natural entre as mulheres. É que todas as três chefes aqui mencionadas não possuem, pelo menos até o momento, o jeito grosso, frio e distante da maioria das chefes de outros órgãos. O estereótipo que conheço do serviço público se refere que uma mulher para ser uma ótima chefe tem que deixar de ser mulher, perdendo sua delicadeza e feminilidade, passando a se impor com um jeito de homem, criando assim uma barreira com as demais mulheres, o que teoricamente reduz a competição entre elas.

Tenho visto diariamente, toda a educação, meiguice, gentileza e tratamento democrático que as citadas tem dispensado aos seus subordinados, o que naturalmente acaba oportunizando uma maior liberdade para que as demais pessoas possam apresentar suas críticas, sugestões e reclamações. Num ambiente autoritário e machista não há tanto espaço para isso, como há num ambiente democrático e cortez. Todos querem liberdade para colocar suas idéias e opiniões, mas todos devemos ter maturidade para saber ouvir e pesar cada uma dessas colocações de forma profissional e nunca considerando como algo pessoal. Isso, com certeza, é muito difícil, mas não impossível de ser feito !!!

Por fim, quero finalmente esclarecer o que considero a “síndrome do É pra Já”, que é algo bem peculiar a essa instituição. Primeiramente, acho importante apresentar o conceito de síndrome do ponto de vista da medicina - que é um conjunto de sinais e sintomas associados a uma certa doença e que definem o diagnóstico e o quadro clínico de uma condição médica. Em geral, as síndromes são bem complexas e difíceis de se dizer ao certo a causa de sua origem, pois normalmente são de origem desconhecida ou elas ainda estão em estudo. Uma síndrome não caracteriza necessariamente uma só doença, mas um grupo de doenças. É justamente por isso que o que estou apresentando aqui sobre a “síndrome do É pra Já”, com certeza, não pode ser visto como algo pronto e acabado, pois essa teoria da “síndrome do É pra Já” está sendo construída diariamente, como está sendo formulada a própria concepção desse novo serviço de atendimento rápido ao cidadão.

Após esse breve esclarecimento, retorno a explicação da suposta origem da “síndrome do É pra Já”. Todos sabemos que o cidadão que visita aqui, ao final de cada atendimento, faz uma avaliação do serviço oferecido, apertando um botão colorido num terminal de avaliação. Isso é feito de forma que cada funcionário é avaliado repetitivamente, muitas vezes ao dia, durante toda semana, expondo assim cada servidor a um tensão constante. Ao final de cada mês, a avaliação de todos funcionários é fixada num mural e todo mundo fica sabendo a nota de cada um. Esse procedimento é algo inédito no Tocantins e, conforme muitos pensam, deveria ser extendido aos demais órgãos públicos. Por outro lado, para os funcionários do “É pra Já”, estar sendo avaliado a todo momento faz com que você também se torne mais observador e mais crítico para com o tratamento que você recebe do cidadão e de seus colegas de trabalho, especialmente daqueles hierarquicamente acima de você. É justamente por isso, associado a alguns outros fatores, que nasceu a “síndrome do É pra Já”, que faz com que cada funcionário avalie também diariamente e rotineiramente o público, a administração interna e a SECAD, criando dessa maneira um clima de competitividade e acirramento, muitas vezes, exagerado.

Todas essas questões, especialmente no que se refere a equiparação dos salários, a chegada da “tão esperada gratificação” e a resolução de inúmeras outras questões pode acontecer se cada servidor fizer um compromisso em prol da busca de valores como colegismo, amizade, cooperativismo, empatia etc., e além disso tudo se a equipe da SECAD de Palmas se fizer mais presente.

O que nenhum de nós pode esquecer que “ser avaliado pelos outros” nos força a buscarmos um constante desenvolvimento pessoal, principalmente de aptidões como paciência, tolerância, domínio próprio, esperança e alguns outros dons divinos que estão descritos nos textos bíblicos.

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Gurupi – TO, Agosto de 2008.

Giovanni Salera Júnior

E-mail: salerajunior@yahoo.com.br

Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187

Maiores informações em: http://recantodasletras.com.br/autores/salerajunior

Giovanni Salera Júnior
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 15/08/2008
Reeditado em 05/11/2015
Código do texto: T1129362
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