NEGUINHO DO CATIMBÓ

Enquanto os moleques tinham medo de fantasma e casa mal-assombrada ( existe casa bem-assombrada?), eu morava com os espíritos: havia um centro de catimbó dentro da minha casa.

Catimbozeiro era qualquer pessoa que fazia parte de algum culto religioso africano. Na casa da minha família na Paraíba, éramos umbandistas, se bem que para todo mundo, a gente falava que éramos espíritas; coisa que eu nunca entendi muito bem, afinal, umbandista ou espírita, éramos todos, segundo o povo de Cajazeiras, catimbozeiros.

Catimbó é outro nome para macumba, feitiçaria e sinônimo da Umbanda, pelo menos na Paraíba. Espiritismo é a religião criada por Allan Kardec lá na França no século 19, que por alguma razão, ficou mais famosa aqui do que lá; e é mais bem representada aqui no Brasil, pela figura do Chico Xavier e não tão bem representada por certos livros “psicografados” pela família Gaspareto. A Umbanda é o sincretismo entre o culto aos orixás ( deuses africanos) e os santos do catolicismo; e é melhor representada pela sabedoria dos mestres e dos preto-velhos e não tão bem representada assim pelos despachos, trabalhos de amarração e outros tipos de “macumbas paraguaias”. Umbanda ou Espiritismo, havia uma coisa em comum nas duas religiões: os espirítos!

Enfim, eu tinha apenas 12 anos, mas sabia o quanto as pessoas só olhavam o lado feio e distorcido das coisas, e eu até tentava levar um pouco de esclarecimento a molecada, mas não importava o que eu fizesse ou o quanto explicasse, ainda assim, eu continuava sendo o Neguinho Catimbozeiro. Apelido, que no final das contas, não era tão mal assim, pois os moleques não mexiam comigo, morriam de medo das minhas ameaças e ações:

“ Ah, é??? Não vai devolver as bolinhas-de-gude, não?” – eu dizia – “Quero só ver, como você vai acordar amanhã, depois que eu costurar o seu nome dentro da boca do sapo essa noite.”

Tudo bem! Eu sei que as minhas ameaças e chantagens não faziam muito bem para a imagem da Umbanda, mas ser o Neguinho Catimbozeiro, era o máximo que eu consegui chegar de ser um super herói, e garanto, eu só usava meus poderes, quando tinha que lutar pelos fracos e oprimidos, e para recuperar meus gibis perdidos e centenas de bolinhas-de-gudes, que a molecada adorava roubar umas das outras.

Contudo, a ironia de ser o Neguinho Catimbozeiro, vinha do fato que eu morria de medo de espirítos também, e a minha casa era, não sei se mal ou bem, mas muito assombrada. Talvez fosse pelo efeito das imagens dos rituais de Umbanda ou porque eu tinha mesmo uma imaginação muito fértil, mas eu ouvia vozes, passos, presença de pessoas passando por baixo da rede em que eu dormia, e a própria rede balançava sozinha, sem que eu sequer me movimentasse. Toda noite era um parto para dormir e o medo era tanto, que eu não me mexia, não conseguia gritar, reagir e não foram poucas às vezes, em que ao acordar, eu pisava em certas poças, as quais até hoje, são lembradas pelo meu irmão mais velho: “o neguinho vivia mijando na rede”.

Esse tormento durou muitas noites, até o momento em que eu decidi enfrentar aqueles espíritos todos. Estava cansado de sentir medo, de molhar os pés no terror diluído que virara apelido na boca do meu irmão, e justamente por ser um herói e não um neguinho mijão; eu iria enfrentar o meu medo.

Preparei-me para a batalha, respirei fundo, engoli o medo; ou melhor, rezei para tudo o que era santo, deuses do Olimpo e criei força e coragem para enfrentá-los. Veio à noite e o silêncio, todos dormindo e eu esperando os espíritos, pronto para o combate, mas para a minha surpresa, aquela noite, a rede não balançou, barulho, só os roncos do meu avô. As vozes se calaram, as presenças se tornaram ausentes, e nem houve um sinal sequer dessa gente que se divertia me assustando. Eles não apareceram naquela noite, nem na noite seguida. Estava claro para mim que eu os tinha expulsado e a casa estava limpa. Todos sentem medo, até os espíritos de quem está vivo.

Eles fugiram com medo, nunca mais voltaram, mas não posso culpá-los; afinal, eu não era um Harry Potter, mas nenhum morto, nenhum vivo teria coragem de se meter com o Neguinho Catimbozeiro.

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