RIO SÃO FRANCISCO (O RIO DA MINHA INFÂNCIA)
O rio São Francisco é rico em lendas. Ouvi muito de suas histórias contadas por uma preta velha, empregada de uma tia, onde passava minhas férias. Lendas sobre o Minhocão, uma cobra enorme que ficava por debaixo das casas ribeirinhas, derrubando-as. Divertia-se também, dando pancadas com o rabo nas embarcações, tentando afunda-las. O Cabloco D'água era uma criatura fantástica que dominava água e peixes. Mas o que mais me seduzia era a Mãe D'água – sereia dos nossos rios. Para os barranqueiros o rio dorme quando é meia-noite. Nesse momento, tudo pára; os peixes deitam no fundo do rio, as cobras perdem o veneno e a Mãe D'água vem para fora procurando uma canoa. Senta-se nela para pentear os longos cabelos. Quem vê a mãe d'água é castigada; fica com o olhar vazio, andando sem destino certo. Perde o juízo e o coração.
Adorava essas histórias cheias de mistério e encantamento. O rio São Francisco faz parte da minha infância. Meus tios de Lagoa da Prata, eram fazendeiros e pescadores. Com eles aprendi muito de seus mistérios. Um tio deixava quinze anzóis, de espera, nas barrancas do rio. No dia seguinte, íamos numa canoa puxando os anzóis para pegar os peixes. Num certo dia, em que fui levando uma amiga; só no décimo quinto anzol havia um enorme peixe. Meu tio com grande dificuldade jogou-o dentro da canoa – pulava dando rabanadas, quase nos jogando no rio. Nunca passei tanto medo! Mas, com grande perícia o tio ensinou-me como matar um peixe raivoso. Segurou bem sua boca, e foi abrindo-a até dar um estalo, matando-o e nos deixando tranqüilas.
Ah! Rio São Francisco das pescarias e das terríveis enchentes! Tio Bento e tia Elza moravam numa bela fazenda, quase às margens do grande rio. Certa vez, ouvi contar, de uma famosa enchente. O rio foi crescendo, crescendo, até suas águas chegarem à porta da fazenda! Meu tio, quando viu que seriam arrastados pelas águas, colocou a família numa grande canoa, tentando se salvar. Minha tia contava: À noite chegando, o rio subindo e arrastando tudo que encontrava; casas, árvores, animais, ratos, cobras...Parecia um pesadelo! Felizmente se salvaram e puderam nos contar tamanha proeza. Meus tios, fazendeiros de suas barrancas, quase todo ano, perdiam parte de suas lavouras e nós, da família, sofríamos juntos. E, agora velho Chico? Esta mesmo envelhecendo? Já não vejo falar de suas enchentes, de suas fortes águas derrubando tudo. Ou será que eu é que estou envelhecendo e já não procuro mais as suas barrancas?! Fica firme, rio da minha infância. Eu estou querendo ir longe; aumentar as minhas águas e derrubar tudo que vier pela frente. Não pretendo morrer tão cedo!
Faça o mesmo, velho Chico, rio da minha infância!