Vômitos Capitalistas
Contexto:
Uma senhora de 45 anos, vê em sua velha tevê seu jornal rotineiro com seu artesanato em mãos (percebe-se que é sistemática). Os olhos azuis em meio a pele enrugada se enrijecem quando escuta:
Repórter: " O empresário Abílio Diniz foi detido para esclarecimento sobre denúncia de descio de dinheiro, na DEIC em São Paulo, às três horas da tarde, em sua casa. A rede empresarial de Abílio está sob susupeita de fraude. Voltamos a qualquer momento com novas informações."
A agulha despencou de suas mãos e boquiabriu-se. Foi em direção ao seu aposento. Entrou lentamente, retirou seu diário da segunda gaveta e sentou-se.
São Paulo, 14 de Maio de 2008
Prezado diário,
Depois de engolir vômitos pró-capitalistas que circulam todos os dias pelos promíscuos meios de comunicação, me deparo com minha única forma de expressar meus anseios facundos nas revolucionárias páginas de seu corpo espiralizado e pintado pela cor do tempo. Nesta manhã ao revirar o jornal à procura de informações limpas de ideologias capitalistas estapafúrdias, eis que vejo estampado o rosto de meu patrão nas páginas sujas de sangue e corrupção, estreitei os olhos para ver se estava caindo em mais uma peça pregada pelos meus enrijecidos olhos, e o pior, não estava. Embaixo da ilustração lia-se: “Empresário é pego com cinco milhões de reais não declarados.”
Era um sujeito estranho, de ombros contraídos e de face obstruída pelo imenso aro de seu óculo, não aparentava vetustade, mas não se comportava como um jovem levado pelo tempo. Temido por funcionários alienados a ideologia da empresa, via em seus relatórios um emaranhado de sentimentos. Quanto a mim, nunca fui tratada de outro modo: um cotidiano “bom dia, como vai?” e o restante se resumia em ligeiras conversas sobre assuntos administrativos.
O chefe era a antítese de transparência. Em seus negócios taciturnos ganhava o principal produto capitalista: o lucro. Em assíduos telefonemas que julgava importantes falseava em sua face cínica um miúdo sorriso. Sei de tudo isso, caro, pois trabalho como sua secretária há quinze anos e mesmo com todo esse tempo não tenho intimidade o bastante para lhe inquirir sobre sua vida conjugal e patriarcal.
Mas em minhas mãos via desabrochar uma pequenina pétala do modelo socialista que não há de se calar, nesta manhã um grito ecoou pelas gélidas e imundas ruas desse país. Os bajuladores viam-se envergonhados e tementes de um novo amanhecer. O epílogo contradizia o corpo de toda a notícia: “O referido empresário foi agraciado com habeas corpus, ou seja, responderá o processo em liberdade.” O nojo e a indignação tomaram minha alma e lancei o divulgador capitalista numa cesta de lixo.
Não foi dessa vez que o ideal socialista viu o clarear de mentes. Minha denuncia resultou em mais uma montanha de papel nos arquivos de uma sociedade capitalista.