Alegria e Culpa.
Hoje amanheceu chovendo. Deu uma preguiiiiiça tão grande de levantar-me. Minha coragem só deu para abrir um olho e ver o tempo bonito que minha janela emoldurava. Inspiração ainda fresquinha do Criador na manhã de segunda-feira. O barulhinho gostoso da chuva caindo e o friozinho me convidaram a ajeitar o lençol, fechar o olho que abri e devanear.
Lembrei-me da minha infância, quando saia para tomar banho de chuva. Ah que delicia! A época, não se assustem, era final dos anos 60, começo dos 70. O local eram os bairros de Jacarecanga e Cidade dos Funcionários. Um pouco de cada. Lembro que eu parava nas bicas e deixava a água bater forte no cocuruto da minha cabeça. Chutava as poças d´água para molhar meus irmãos e a molecada do bairro, cúmplices de peraltices mil. Lembro minha mãe chamando-nos, com o rodo na mão, para puxarmos o aguaceiro da varanda. –
Quando a chuva terminar Mainha, quando terminar. Dizia, tentando adiar a obrigação e prolongar a diversão. Ela, tão boazinha, concordava. Mas quando a chuva terminava... Que rodo que nada, o barato era jogar bila no chão de areia alisado pela chuva. Lembro dos jargões típicos do jogo. “Eu sou o fona”, “bilou ai, eu vi”, “um de tudo”, “cocão não vale”. Não sei se você entende, mas nos divertíamos a valer.
A chuva caia e trazia consigo lembranças pueris que marejaram meus felizes e saudosos olhos. Quando acordei, isso só aconteceu no momento em que já estava debaixo do chuveiro, tomando meu corajoso banho frio, fiquei pensando sobre essas lembranças e veio-me a tentação de fazer uma espiritualização bem fundamentalista. Encaixar alguns versículos e legitimar biblicamente meus devaneios pluviais. Desisti. Eu só queria curtir a chuva, sem culpas.