Os Cogumelos

Cogumelos_

Mais um dia invade a cidade. Não é um dia qualquer. É um daqueles em que achamos ou supomos saber tudo o que lhe ocorrerá, e na maioria das vezes seus imprevistos tratam de nos surpreender.

A poeira dos primeiros carros que circulam são dos que partem para mais um dia rotineiro de entregas.

Os pés estão exaustos. Eles reclamam ter ficado a noite inteira presos aos freios e aceleradores do carro. Após uma madrugada viajando até chegar à capital, encontro um céu já empoeirado e os prédios altos. Eles parecem duelar e aportam a paisagem num céu azul indizível.

Os joelhos se dobram e hesitam sair desta postura incômoda e letárgica do motorista. Eles parecem não responder aos comandos e sim daquela estrutura externa e cansada em que o meu corpo se encontra, com as mãos esticadas, guiando cegamente o veículo.

Os olhos, completamente apedrejados pelo sono começam pela primeira vez a observar as pessoas a atravessar as vias. Como correm apressadas... distraídas, penso. Parecem, em algum momento, levadas por algo, sujeita aos sabores de um destino que não é o delas, assim como o carro, guiando o início da manhã.

Após tantas viagens para o sítio, esta foi sem dúvida a mais exaustiva e solitária, salvo a presença dos cogumelos embalados cuidadosamente, prontos pra serem consumidos. Desde que comecei com o cultivo, há 3 anos, esta sem dúvida é a parte mais complicada do negócio: o transporte. Ele precisa ter a temperatura ideal e estar embalado adequadamente, ah! e ainda tem o tempo previsto para resistir à viagem. Isso significa que qualquer imprevisto se torna a perda da minha entrega.

Ma o fato é que essas criaturas sempre me impressionaram, fosse pela personalidade curiosa, fosse pelo sabor e forma que sempre apreciei. Mas, o dia está só começando, e eu ainda não posso dormir, mesmo com os olhos ardentes.

O dia vai exigir o bastante. As entregas serão feitas nos restaurantes e hotéis antes das dez da manhã, uma regra a qual precisei me adaptar.

Vejo as ruas se encherem. As buzinas dos carros estão a soar e os vendedores organizam seus negócios e as lojas começam a abrir. Resolvo tomar uma xícara de café, que por sinal está muito quente, mas absolutamente agradável.

Algumas pessoas caminham em passos vazios pelas passarelas que parecem mais até mapas onde deciframos para onde estão indo todos. As vejo atravessadas pela barreira do tempo fragmentado, acuadas pela angústia de ter que reinventar suas personalidades em ritmos estonteantes, incalculáveis.

As vitrines, essas parecem ter vida e escolhas próprias perante os que as contemplam. O brilho que as ofusca mais parece ver do que ser vista. Acalmam a angústia da perda, do caos.

A certeza de que o cansaço trairia os seus corpos ao final daquele dia é o que parece nítido diante das semelhanças que não desejam ter uma das outras. Alí parecem estar aos sabores do ir e vir, que ecoam pelo objetivo fugaz do tempo moderno.

Em meio ao copo de café esquecido e já sem gosto ao meu lado, volto aos cogumelos e ao horário em um sobressalto inexplicável, infeliz, preocupado. Então, verifico o aspecto dos cogumelos, a temperatura e fecho a câmera armazenadora.

Nós também somos como os tais cogumelos comestíveis. Criaturas curiosas e excêntricas, porém engolidas pelas fragilidades dos próprios acasos, sujeito ao externo e ao tempo impune, que esculpe e modifica nossas vidas...

MJ Minos
Enviado por MJ Minos em 12/08/2008
Código do texto: T1125022
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