VER EU JÁ VI... SÓ QUE COMENDO PIPOCA É A PRIMEIRA VEZ!

O trânsito naquele dia era caótico, a metrópole parecia viver seus últimos dias. Um movimento intenso de carros de todo tipo, o apito frenético dos guardas, a insistente melodia da britadeira numa construção a oeste, além de outros tantos ruídos indesejáveis resultavam num barulho ensurdecedor e angustiante.

No meio de milhares de pessoas, cujos destinos eram normemente distintos estava Idelfonso, recentemente eleito o "operário padrão" de uma fábrica de chocolates. Homem de poucas palavras, marido exemplar e pai de três filhos, dois homens e uma mulher. Muito exigente consigo próprio e com os outros. Morava numa pequena casa de seis cômodos com a família na periferia da cidade.

Ele tinha sido incubido por Maria das Dores, sua digníssima esposa de uma tarefa no mínimo inusitada. Comprar um filhote de ganso na cidade para dar de presente ao seu pai. O mesmo iria chegar da roça naquele dia e passaria uns dias com ela, o genro e os netos. Sabe como é, quando a saudade aperta...

E no meio dessa confusão para satisfazer o anseio da mulher, Ildefonso procurava um “petshop” ou coisa do gênero. Fazia um calor fora do normal e o homem já não se aguentava de tanto cansaço. Os pés doíam e ele resmungava chateado:

___Diacho! Essa mulher me arruma cada uma! Comprar ganso pro seu pai. Aquele “véio” unha de fome. Ora, pois!...

Estava ressentido com o sogro e não era prá menos. Dizem que o velho nunca aprovara seu casamento com a filha. Naquela época ele tinha uma boa gleba de terras e umas vaquinhas de leite e não aceitava de forma nenhuma qualquer estranho por dentro da porteira, mesmo àquele com tão boas intenções como o Ildefonso.. Eis o motivo do desabafo e do dissabor que o acompanha durante esses longos vinte e oito anos.

Mas, de súbito, eis que o nosso dileto Ildefonso encontra o tal “petshop”. Parou durante alguns segundos à porta do estabelecimento e, entrou meio receoso, olhando aqui e ali prá ver se via o tal ganso, estava louco para ir embora. Nisso, aparece um solícito senhor de estatura mediana, calvo e de um ralo bigode que contrastava com seu sorriso amarelo.

___Boa tarde, meu amigo! Em que posso servi-lo?

Ildefonso sem titubear e indo direto ao assunto, responde:

___Tô procurando um ganso filhote, você tem algum?

___Claro que tenho. Por aqui senhor!

E lá foram os dois, já no interior da loja bem sortida de tudo quanto é espécie de bicho.

___Aqui senhor! Olha que ave maravilhosa!

Ildefonso olhou o ganso, assim meio desconfiado e ousou ir direto ao assunto, já não se aguentava de pé.

___Quanto é?

___Cinquenta reais, senhor!

___Vixe Maria, que bicho caro!

Mas, fazer o quê? Não iria contrariar a mulher por causa disso. Saiu com o pequeno ganso debaixo do braço e passando pela avenida deparou com uma fila imensa na porta do cinema. Um filme sensacional em cartaz e o mesmo não podia perder a oportunidade. Já estava ali mesmo, não custava nada. Passou dessa maneira a ser o último da fila que mais parecia um cordão do INSS, não andava nem com “reza braba”.

Lembrou do tal ganso e virando-se colocou-o dentro das calças frouxas. Ajeitou o bicho na cueca e conseguiu com muito custo disfarçar o volume. Finalmente a fila andou e o mesmo pôde enfim comprar o ingresso e, ainda uma pipoca para passar o tempo, vá lá que o filme demorasse. Tudo seria possível naquela altura do campeonato!

Adentrou no cinema que estava lotado e acomodou-se bem ao lado de uma sexagenária sorridente.

___Dá licença, senhora!

___Fique à vontade, meu filho!

Tudo maravilhoso, iniciou-se a projeção e não se sabe como no meio desta, a barguilha da calça cedeu e o tal ganso com a cabeça de fora começou a comer a pipoca. Meio tímido no início, mas, depois bastante à vontade. Ildefonso coitado, nem se deu conta do acontecido quando a sexagenária começou a gritar:

___Acuda meu Deus, tem um tarado aqui. Socorro, minha Nossa Senhora!...

Foi aquela movimentação no cinema. Acenderam-se as luzes e a senhora não parava de gritar até que veio a desmaiar. Muitos tentavam reanimá-la e muita gente ao lado de Ildefonso que não mais se continha de raiva, medo e vergonha.

Passados alguns minutos a senhora acordou e olhou para Ildefonso que possesso perguntou à sexagenária:

___Dona, a senhora nunca viu isso não?

E quase que imediatamente ela responde:

___Meu filho... Ver eu já vi... Só que comendo pipoca é a primeira vez!

Pirapora/MG, 11 de agosto de 2008.