Mamãe explica política pro filhinho

Criança é fogo. Do nada já nos enchem de perguntas.

-Ô, mamãe!

-O que é meu filho?

-Eu quero que você me diga por que aquele homem de bigode que mora em frente a casa da gente não usa grades na casa dele?

-Não sei, meu filho. Talvez porque confia demais na sorte.

-Eu nunca vi ninguém sem grade na frente da casa, mamãe.

-Pois é. É porque você é da geração “prisioneiros do próprio medo”.

-Como assim?

-Veja bem, meu filho, você já tem nove anos e acho que você vai entender... Nós vivemos num país que se chama Brasil, certo?

-Certo.

-Esse país é dividido em vários estados e esses estados em várias cidades.

-Como essa cidade que a gente vive?

-É. Isso mesmo.

-Existem grupos de homens e mulheres que, vamos dizer assim, “tomam conta” desse país, desses estados e dessas cidades. São os nossos governantes. Os políticos.

-Ah! Minha professora já falou isso na escola.

-Pois é isso aí. São eles em que nós votamos de vez em quando para que nós possamos ter uma vida melhor.

-Já sei! É no dia da eleição, que tá passando muito na televisão, certo?

-Muito bem, meu lindo!

-Mas por que não temos uma vida melhor?

-Mas é isso que eu vou te falar. É aí que vem a pior parte.

-O que é mamãe?

-Existem muitos maus-políticos que pensam que, já conseguindo ganhar a eleição, viram as costas para os que votaram neles. Não querem saber de cumprir o que prometeram, de fazer com que tenhamos todos uma vida melhor. Ou seja, enganam todo mundo.

-Mas o que colocar grade na frente de casa tem haver com isso?

-Isso já é uma conseqüência dos atos desses maus-políticos, meu filho. O Brasil, desde o começo da sua história, sempre foi um país em que os nossos governantes só queriam saber de explorar, explorar e explorar.

-O que é explorar?

-É tirar tudo, o máximo que puder, até que não sobre nada: as nossas matas, os nossos minérios, o nosso salário, e por aí vai. São como se fossem “ladrões”, só que um tipo de ladrão diferente desses que assaltam por aí, nas ruas. Esses, os políticos, não todos, mas, quase todos, roubam milhões de vezes mais. Isso acontece até hoje, e muito.

-Eu ainda não estou entendendo por que todo mundo tem grades nas casas, mamãe!

-Calma, você já vai entender. Esses nossos governantes sempre fizeram de conta pra todo mundo que tudo ia muito bem. Muitas e muitas pessoas saíam do campo, ou seja, lá das fazendas, dos sítios, porque já não estavam conseguindo sobreviver por lá. E ainda saem, até hoje.

-Por que elas saíam das fazendas?

-Porque as grandes máquinas de “plantar”, de “colher” e os tratores, as coisas novas que os homens levaram para o campo, os bancos que só ajudavam com dinheiro os grandes agricultores, tudo isso fez com que o campo não precisasse mais dessas pessoas humildes, ajudando a expulsar o pequeno trabalhador de suas origens, de suas terras. Muitos deles vieram morar nas grandes cidades, esperando ter uma vida melhor, formando as favelas que a gente conhece bem. E o governo: nada. Fingindo que tudo estava indo às mil maravilhas. E ainda hoje nem quer ouvir falar em reforma agrária, você acredita nisso?

-Reforma agrária? O que é isso?

-É como o governo poderia ajudar quem quer plantar, produzir comida pra gente, trazer mais alimentos pra população, isso tudo, nas terras em que ninguém tá plantando nada, nas terras que ficam sem produzir, que a gente chama de improdutivas, você entende?

-Ah, sei! Então as pessoas iam ter menos fome?

-Claro. Com muito, mais muito mais gente produzindo alimentos, a oferta desses alimentos iria aumentar bastante e os preços iriam ficar lá embaixo, com muito mais gente com acesso a uma comida de qualidade. Mas é uma pena que o nosso governo não está lutando pra isso se tornar realidade, com tanta terra nas mãos de tão poucos.

-Já tô começando a ficar com raiva desses políticos. E aí, mamãe, o que aconteceu com as pessoas que saíram do campo?

-Também se juntou, a essa população, pessoas que vinham de outros estados, mais pobres, também com esperanças de vida melhor nas cidades grandes. Aí, esse grande agromerado de pessoas ficou se amontoando pelos cantos, pelos morros, pelas periferias, queria trabalhar e não conseguia. Queria se alimentar e só passava fome. Essa população pobre queria uma moradia descente e não conseguia. Queria uma saúde descente e não tinha. Queria uma educação boa, assim, como a sua, e não tinha acesso. Os políticos não estavam nem aí para eles, só pensando em seus próprios interesses mesquinhos e egoístas, como acontece hoje. Assim, também, como hoje, essa população quer tudo isso que eu falei e não consegue. Daí, eu pergunto: o que você acha que acontece com boa parte dessa população abandonada?

-Muitos deles vão roubar porque têm fome, não têm dinheiro, não tem escola, é isso?

-É isso mesmo, na mosca filhão. Essa população excluída, desamparada não tem como dar um futuro descente aos seus filhos, aí, muitos desses garotos viram bandidos, porque o crime, o tráfico de drogas, dão a falsa promessa de um futuro melhor para eles.

-Aí, eles querem ganhar dinheiro e pensam que sendo bandido é que vão conseguir, né, mamãe?

-Infelizmente é isso, meu filho.

-Ah, agora descobri! Essas grades, desde que eu nasci, estão na portas das casas para que esses bandidos, que não eram pra ser bandidos, não consigam entrar, não é, mamãe?

-É isso aí, meu filho. Você entendeu muito bem. O governo prefere que as pessoas gastem seu suado dinheirinho com câmeras, segurança particular, grades nas portas, etc, etc., a dar uma educação digna para essa população carente, a dar uma saúde descente, oportunidades de emprego, e muitos outros benefícios, obrigação de todos os governos. Ao invés disso, os políticos ficam brincando de CPI’s, de dossiês, de gato e rato, fingindo que trabalham, mas metidos numa corrupção sem fim, onde todos nós, até eles, estamos no mesmo barco, colocando cada vez mais dedos nos furos para ele não afundar. Pra completar, meu filho, as nossas leis, que servem para que as pessoas não cometam crimes ou que sejam presas ou paguem por esses crimes, são leis velhas e, feitas de tal maneira proposital, ou seja, feitas para que muitas vezes protejam os maus-políticos e os criminosos de uma maneira em geral. Sem contar com os juízes que também, e não raramente, favorecem o crime e os criminosos, principalmente os ricos. É uma bagunça, um horror, uma falta de amor ao próximo, ao nosso país. Por isso que o Brasil, um país tão rico, mas com uma classe política vergonhosa, não vai pra frente. Essa gente insiste em amarrá-lo lá trás e os outros países indo cada vez mais pra frente. Até nós, do povo, somos culpados quando ficamos só olhando tudo acontecer e não fazemos nada, ficamos com cara de bocós, de trouxas, lerdos como lesmas, só reclamando da vida. Tá vendo a China?

-O país das olimpíadas?

-Esse mesmo. O que esse país tem de melhor do que nós? O que os Estados Unidos têm de melhor do que nós? O que o Japão tem de melhor do que nós? Na verdade, nada. Mas os governos desses países, mesmo com todos os defeitos, trabalham para o seu progresso, dão educação, dão assistência médica, dão qualidade de vida para a sua população, o que o daqui não o faz, pelo menos como deveria. Todos esses países, e muitos outros, têm, no fundo, inveja do Brasil, sabem do nosso verdadeiro potencial. Só nós é que ainda não enxergamos. Todos eles querem tirar uma casquinha do que nós temos: da Amazônia, das nossas plantas, pra fazer remédio, das nossas riquezas minerais, da nossa grande quantidade de água potável, da maneira corrupta de nossos governantes, de tudo. E esses políticos que aí estão, enchem o próprio bolso, se vendendo e vendendo, a cada dia mais, parte por parte do nosso país, que deveria, há muito tempo, ser o melhor do mundo, o mais forte.

-Puxa, mamãe, fiquei muito triste com tudo isso.

-Desculpe meu filho, mas eu não poderia contar um conto de fadas, um lindo desenho animado pra você e você ser mais um abestalhado nesse país, já chega de pessoas que não estão entendo nada, não é?

-Eu sei, mamãe, eu estou triste é por que agora eu sei das grades nas casas, daquele mendigo que está ali na esquina e sei também que vou perder muito tempo na fila com a senhora pra votar e, no final, não vai dar em nada!

-Ah, ah, ah, meu filho, você é uma graça! Não é bem assim, talvez alguns iluminados ganhem a eleição e sejam o sal que vai dar gosto pra todos nós, quem sabe? Não podemos perder as esperanças, certo?

-Mas, mamãe, o que a gente pode fazer pra tudo isso mudar? Pro Brasil ser o maior país do mundo, como a senhora falou?

-Bem, meu querido e amado filho, é isso que eu disse: devemos gritar, lutar, espernear por um país melhor. Nessa garimpagem que a gente faz para tirar uma pedra preciosa no meio de tanta pedra sem valor, nós só não podemos é tampar-o-sol-com-a-peneira desse garimpo. É procurar votar no candidato que não tenha a “ficha suja”, depois, temos que deixar de ser besta e parar de pensar que acabou por aí, e ir atrás, cobrar dele o que prometeu nas campanhas, pois temos que estar sempre atentos a tudo o que acontece e que façamos valer o nosso voto, o nosso poder como cidadão. Mas não é só na eleição, é no dia-a-dia. No Brasil, a gente tem que ser "chato" com os políticos para eles fazerem o que presta, o que seria uma obrigação deles. Mas estou vendo, filho, lá longe, muito lá longe, que a coisa está mudando. Talvez os seus filhos vejam melhor do que eu ou você. Só lhe digo uma coisa, amor meu: quando crescer, seja um bom homem e, pra evitar qualquer coisa, ponha grades na frente de sua casa também.

Litrento
Enviado por Litrento em 11/08/2008
Reeditado em 14/08/2008
Código do texto: T1123788