Mutação
Meu padrinho, lá no sertão do Ceará, enternecia a quase toda a vizinhança quando se aproximava a lua cheia e submetia-se ao ritual que o transformava em lobisomem. Alguns, entretanto, não acreditavam nele; taxavam-no safado e prometiam-lhe boa surra de vergalho quando não castração sumária. Tais muito me afligiam. Eu gostava dele; presenteava-me com doces, brinquedos, me ensinava a nadar na cristalina lagoa Encantada, prometia levar-me ao cinema ver o zorro... Abraçava-me tão forte e demoradamente que muita vez se esquecia de urinar e findava por ensopar-me! Muito bonzinho, meu padrinho. Gostava muito dele.
Mas não é somente de sofrimento antecessor à mutações que quero falar. Quando decisões políticas se desenrolam e ouço falar de disputas pelo poder, entro em sintonia estranha e ataca-me a viadagem. Entro em repentina transformação e alucino-me só de pensar em Capetão, aquele corpão peludo, bunda batida e dianteira proeminente como em eterno riste. Comichão eletrizante percorre todos os cantinhos, os mais secretos, do meu corpinho, adrede fundido à Fam System.
Eleições municipais, meados de julho e nenhuma reportagem sobre aspirantes aos cargos de prefeito e vereadores de Rietê. Comenta-se que a cidade se dividiu ou dividir-se-á em duas falanges: “É hora de mudar Rietê”- um jornal insinuou que o adequado seria: é hora de mudar de Rietê - será? Particularmente (perdão, pela redundância) acho que um projeto de quatro anos sem explicitar o item sexo, é muito chato. Porém, reconheço a sapiência das frases de pára-choques como “o que não tem remédio, remediado está”.
Sem querer ser debochada (o adjetivo está no feminino porque, como já disse, me fulminou a baitolagem, que explico no decorrer), a primeira coligação, a dos doutores (em quê?) é natimorta. Pelo menos é o que se lê nas fotos dos próprios candidatos a estamparem-se nos jornais. É que sou literato, um tipo que vê e lê a alma aonde o médico apenas vê doença. Outrossim, tucano que é tucano, tem que ter bico longo, espalhar as asas, exibir a plumagem feito fosse pavão, e, não ter medo de voar leve, livre...
Mas o que eu quero mesmo é me travecar. Do armário ao chão joguei o perucão desgrenhado, o LuisXV empoeirado, roupas íntimas (inclusive cinta-liga cor da pele), o vestido tubinho vermelho e uma infinidade de acessórios: brincos argolão, pulseira, maquiagens e uma lente de contato estilo tigresa... Um show!
De repente, lentei; a me avassalar novamente a esquálida política rieteense. “Crescer com justiça e paz” é o outro lema. Será que os elaboradores deste slogan conhecem a etimologia e os diversos significados do vocábulo paz que vai de pace entre continentes à pax espiritual? Defender-se-iam com bandeira branca e atacariam com bombas e escopetas mortalmente municiadas? E o sorrisinho de “já ganhou”, o prepotente salto alto em renitente toc-toc-toc pelos quatro cantos da cidade? (Espero ser ‘jurisprudenciado’ pelo lânguido “perguntar não ofende”).
Quase pronta a montagem. Faltam batom, cílios, a peruca e o telefonema para Capetão me encontrar no Jardim. Até que eu chegue lá, a cidade toda já me viu.
É hoje que a gente se dilacera de tanto amar. Capetão é tão fascinante como um deus grego...
O elenco de vereadores provoca latente desejo de casquinar. Cada alcunha hilariante... Mas, muitos impõem respeito e têm chances plausíveis. Eis Rietê, um pedaço desse brasilzão brasileiro...
Vou-me apressar senão acaba a missa, as pessoas somem e mostrar-se é precípuo; senão, que graça tem?
Acabei. Ah, falta a bolsinha minúscula e o perfume fatal.
Então, desci a Rafael de Campos no garrido lá-e-cá, lépida, louca para encontrar Capetão em azáfama. Quiçá voar baixo na curvilínea de Araritaguaba... É hoje que a gente se arrebenta. Ainda mato Capetão de tanto amar!
Enquanto no percurso triunfal até o Jardim, cantarolo, mais para alto do que para baixo:
[...] amo tanto e de tanto amar...
Já pensamos em nos casar...
Nossas pernas vão se cruzar
num balé esquisito...
No céu, Cristo; na terra, isto: uma batida policial. Só falta algum PM omófago querer me desmontar...