Reflexões Psicodélicas.

Faz dois meses que eu deixei minha atividade de coordenador de uma Comunidade Terapêutica, sinceramente achei que fosse ser mais difícil olhar para trás. Talvez eu seja alguém que não nutra apego ou afetividade pelo passado, ou talvez eu seja apenas normal. Sempre me atemorizei com a possibilidade de fazer sempre a mesma coisa por toda minha vida, acredito que quem se orgulha de um feito desse é no mínimo medíocre. Afinal a vida nos oferece tantas possibilidades, por que deveríamos nos fincar numa mesma posição até que nossos dias se acabem? Durante anos eu ouvi indivíduos falarem de suas compulsões, de seus vícios e de suas loucuras. Muitos dos que atendi, já morreram, muitos continuam na loucura e alguns poucos estão sóbrios. O que eu testemunhei durante todos estes anos daria para escrever uma tese, mas nunca me interessei em transformar estes sujeitos em “objetos de estudo”, sempre me senti diante deles como alguém impotente e incapaz de realmente ajudá-los. Costumava dizer que eu não passava de um “mero espectador da mudança alheia”. Descobri que apenas uma pessoa pode me motivar a mudar; eu. É claro que os programas terapêuticos são ótimos auxiliadores, eles são imprescindíveis àqueles que buscam mudança, mas inócuos aos que não dão a mínima se vão morrer.

Minha atual atividade é infinitamente mais “leve”, não trabalho mais com “gente”, minha função é burocrática, técnica. Ajudar o próximo faz parte do discurso de qualquer pessoa, levei milhares de “tapinhas nas costas”, ao longo destes anos em que trabalhei ajudando jovens a se livrarem das drogas, quando era solicitado para palestras e falava sobre nosso projeto as pessoas diziam que me admiravam e que adorariam fazer o que eu fazia. Era estranho ouvir aquilo, parecia que eu não era deste planeta, com o passar dos anos passei apenas a sorrir quando ouvia este tipo de comentário. Compreendi que neste mundo não temos tempo para sermos solidários com o outro, pois não damos conta nem dos nossos. Por outro lado, conheci muita gente solidária, pessoas que doaram suas vidas aos desfavorecidos e excluídos, gente que simplesmente fez da solidariedade uma atividade de prazer e lazer.

Mas eu me recolhi, não quero mais ser solidário, serei egoísta e vou pensar apenas nos meus. Não quero mais ouvir problemas de ninguém, não quero dar esperanças para ninguém e não vou trabalhar mais de graça para ninguém. Quero continuar com meus estudos, construir meu chalé na serra, tomar meu vinho sem ser interrompido por qualquer pedinte. Quero ler todos os livros que tiver vontade, quero sair para pescar com minha família, viajar, etc. Chega de ser solidário, de doar meu precioso tempo aos outros, Sartre dizia “o inferno são os outros”, será que era disso que ele falava? Provavelmente não. É claro que é gratificante contemplar um indivíduo dar a volta por cima e passar a ter uma vida com o mínimo de dignidade, mas estou cansado. Transformar-me-ei num estóico, ou mais ainda, serei um “filósofo cínico” ao estilo Diógenes o cão e pedirei que todos saiam da frente do meu sol.

Jonatas Carvalho.

J Carval
Enviado por J Carval em 11/08/2008
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