As duas ARTES

Alguns filmes me comovem devido sua história dramática como a “Cor Púrpura”, outros pela sua genialidade como “Forrest Gump”. Há os que mexem com meu espírito militante e os que me comovem pela beleza e originalidade do roteiro. Não estou escrevendo, porém para falar de cinema, pois não sirvo para crítico e nem ligo para as críticas. Adorei ter visto filmes que foram escorraçados pela critica e odiei alguns que receberam os louros dos críticos. Isto deve significar que eu não entenda nada de filmes? Talvez apenas mostre que gosto não se discute.

Foi à terceira vez que assisti “Encontrando Forrester” e este é um desses filmes que me comovem pela beleza e originalidade do roteiro. Uma história que envolve personagens de gerações e cultura muito diferentes, ambos descobrem lado a lado como vencer seus medos. Forrester, personagem vivido por Sean Connery, é um escritor vencedor do Pulitzer, mas que vive isolado por anos num apartamento do Bronx. Jamal Wallace (Rob Brown), um menino negro de dezesseis anos que tem duas paixões o Basquete e a Literatura. O que mais me chamou atenção no filme é uma fala de Forrester sobre o ensino do ofício de escritor, “eu só o ajudei a colocar para fora o que estava dentro dele”. Em um momento do filme o escritor pega uma máquina de escrever (alguém ainda lembra o que é!), dando inicio a uma seqüência de palavras, ele pede que o jovem Jamal faça o mesmo, e diz “primeiro, escrevemos com o coração, depois com a cabeça”.

Como deve ser fantástico se sentar diante de uma página em branco e preenchê-la sem dificuldade alguma. Ir escrevendo o que vem a cabeça sem precisar fazer pausas para organizar o pensamento. Li algumas entrevistas de escritores consagrados que diziam que o maior medo de suas vidas é não ter o que escrever.

Sempre que chego ao meio de uma página fico me perguntando como chegar ao seu fim. Descobrir se o que mora dentro de nós, é de fato um escritor ou apenas um imbecil que aprecia as palavras, mas na verdade não sabe organizá-las, não é uma tarefa fácil. Será que é normal ficar olhando para a tela de um computador sem saber como concluir uma frase que se começou? Para que o escritor more dentro de nós penso que sejam necessárias duas coisas: gostar de ler muito e de pensar. Tanto uma coisa como outra é mal visto pela sociedade de um modo geral. Se o escritor é famoso, todos acham legítima a reclusão para o ofício.

No caso de um anônimo qualquer este ganhará a fama de lunático, vagabundo, alguém que quer se esconder da vida e por ai vai. Estar lendo ou escrevendo é como não estar fazendo nada de importante, as pessoas te interrompem e te importunam por achar não ser nada demais.

Acho que escrever é como qualquer outro talento, mas talvez pela dificuldade que se tem em organizar os pensamentos, concluir um trabalho para o escritor seja mais edificante (não mais importante), do que pintar uma casa. Quando o pintor termina seu trabalho sente a sensação de dever cumprido. Os proprietários apreciam o novo ambiente e desfrutarão deste prazer por algum tempo até que haja necessidade de pintar novamente.

Já a escrita, é uma pintura que não se desgasta, as palavras permanecem. A obra de um escritor fica registrada ainda que se esgote uma edição, sempre será possível ler e reler os versos construídos por determinado autor. Assim, pode-se ainda manter vivas as palavras de Herótodo, Platão, Nietsche e Dostoiévski.

O cinema por sua vez é a representação (ou interpretação) do imaginário provocado pela leitura de um livro. É o mergulho do sujeito no objeto produzido por outro sujeito, que se fundirá num outro objeto. Toda essa empreitada envolve pesquisa e tempo, determinação e imaginação, prazer e dor.

Fascina-me filmes com narrativas, mas o que é mais fascinante ainda é elaborar imagens concretas do que se leu, transformando-as em cenas, capítulos, episódios. A arte da escrita possibilita outra arte, a da leitura. Uma vez que o sujeito que lê, re-elabora o objeto de leitura a partir de sua subjetividade, logo o objeto lido não é mais o mesmo. O texto uma vez difundido perde sua originalidade, não pertence mais ao autor, é um novo texto a cada leitura. Cada Romeu e Julieta que é apresentado em todas as partes deste mundo, é uma nova construção, não mais pertence a Shakespeare, mas é fruto da cultura cotidiana de cada indivíduo que o lê. Esta possibilidade é uma arte, pois quando leio uma obra ela passa a me pertencer, seja ela qual for. Esta arte que é produzida dentro de cada leitor não pode virar ciência não pode ser quantificada, mas pode ser vivida e sentida no intimo de cada leitor no seu encontro com a obra de cada escritor.

Jonatas Carvalho

histosofia@gmail.com

J Carval
Enviado por J Carval em 09/08/2008
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