Eles e não eu...
Posso me perder algumas vezes em devaneios tolos, derramar melancolia em cada palavra, embriagar o meu leitor com o hálito de vinho impregnado no escrito, mas o que posso fazer? Os meus textos têm vida própria, eles caminham sozinhos, são independentes, não sou nada mais que um instrumento, apenas um útero necessário.
As dores do parto só são terríveis quando resisto a elas, recusando-me a pari-los, porém quando me entrego transformam-se em doces e suaves ondas de prazer. Ao ver o contorno do perfil do meu ‘novo filho’, dedico-me de corpo e alma no aperfeiçoamento de cada detalhe da cria.
Todavia eles já nascem prontos, se recusam a obedecer a padrões, são triste, rebeldes e melancólicos por natureza. Transbordam suas angústias juvenis, tão suas que parecem geradas por seu criador e inseridas em suas cadeias genéticas.
Algumas vezes muitos leitores tentam traçar o meu perfil lendo os meus textos e se perdem em meio à confusão de imagens contraditórias; não posso negar que eles se parecem cada um a seu modo comigo, somos mãe e filho é natural! Mas não somos idênticos, isso só seria possível se fossemos Bactérias e protozoários e eu os tivesse gerado por bipartição (processo em que uma célula se divide em duas, por mitose, e origina duas células geneticamente idênticas), porém não somos!
Às vezes um personagem tem os traços físicos da mãe (pobre infeliz), outros os desejos, as limitações, a liberdade ansiada, a revolta contida, o amor escondido, ou ainda a pouca moralidade e a devassidão reprimida. Outras vezes são o meu oposto, tão diferentes que parecem não conter nada de mim, mas no fundo também estou neles, num traço ínfimo me faço presente. São assim pedaços de mim e não eu.
Vivem sós, assim que se libertam do útero gerador ganham espaços nas sombras e se esgueiram para as almas dos desavisados, plantando nelas um sentimento espichado de falta, estranha falta inexplicável.
Zombam de mim e brincam com as próprias dores, são eles e não eu! Coitados! Sofrem sempre tão sozinhos...