O DIA EM QUE DESCOBRI QUE ERA NEGRO
Há experiências inesquecíveis na vida: o primeiro beijo, o dia em que finalmente conseguimos andar de bicicleta, as chaves do primeiro carro, o nascimento dos filhos e entre outras experiências, a primeira vez que você sente na pele, o ferro em brasa do racismo.
Eu tinha onze anos, quando fui morar na casa da minha vó na Paraíba. Éramos de Brasília, retirantes surreais do sul para o norte, migrantes sem opção: meu pai morreu e minha mãe, voltou para o ninho, carregando quatro passarinhos. Tristeza na separação, distância e lágrimas, e todo o apelo de um drama holliwoodiano, se não fosse pela eterna graça de ser criança. Diferente do adulto que reclama e maldiz; a criança se transforma, brinca com a mudança e segue em frente em busca de um happy end.
Foi nessa época que descobri a minha cor. A novidade não foi contata pelo meu pai negro ou por minha mãe branca, e sim por meio da voz cruel dos meninos na Paraíba. Aconteceu nessas brincadeiras maldosas de escola, onde se ganha, contra a vontade, apelidos que ficarão conosco o resto da vida.
Eu era chamado, desde muito criança, de “neguinho” por meus pais, parentes e amigos, mas até então, nunca tinha associado o apelido à minha cor de pele, nem me achava diferente dos outros garotos, mas naquela manhã, nos portões da escola, eu iria ganhar um apelido humilhante: Macaco Paulista.
- Macaco! – gritava um dos meninos loirinhos, “galeguinhos”, como se diz no nordeste, um menino bem branquinho, rindo com os outros garotos, que em coro, transformaram o xingamento em hino: “Macaco Paulista! Macaco Paulista!”.
Eu não era diferente só por causa da minha cor; havia também o meu sotaque brasiliense ( uma mistura de carioquês, mineirês e goiaês), no jeito em que eu puxava o “R”, o “S” e teimava em dizer “tchí”, ao invés “ti” quando pronunciava o “T”. No mundo das crianças, elas são capazes, assim com adultos, de fazer grandes maravilhas e outras nem tanto. Ser diferente, não ser da cidade; fez com que os moleques me perseguissem e para eles, todas as pessoas que vinham do sul, só poderiam vim de São Paulo.
- Viu como esses moleques são burros – disse minha mãe, tentando me acalmar, quando cheguei em casa, chorando – Nem sabem geografia. Além disso, preconceito começa com P de pobreza mental e termina com O de otários. - O choro deu lugar a uma breve risada, minha mãe tinha esse dom, de transformar minhas lágrimas em sorrisos.
- Mãe, porque a senhora é branca e eu sou preto? – perguntei.
- Porque Deus criou a mistura de raças e não existe coisa mais linda nesse mundo que gente morena, como você, como boa parte da gente desse país. – explicou – Por essa razão, tenha orgulho da sua pele, de ser negro e branco ao mesmo tempo; afinal, você é mais do que a sua pele, você é o meu neguinho.
Coisa maravilhosa é ter uma mãe para juntar os seus cacos, quando alguém os quebra, durante a infância. Ri bastante com as suas explicações, aprendi sobre miscigenação; e segui a minha vida. Na escola, não dei mais atenção aos meninos e as suas brincadeiras; e aprendi uma das lições mais importantes de ser criança: apelido só pega, quando damos bola para ele. Não joguei a partida do preconceito e ganhei o jogo.
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