- sabe o que é?

e você me diz, como se não soubesse dos 30 anos que te pesam nesses ombros marcados à sol, como se fosse menino inda, vivesse seus dezesseis, que está procurando uma mulher pra você. e você se concerta, desconcertado, a mulher da minha vida mesmo, aquela com quem eu sei que vou ter meu filho, e ter uma casa junto, sabe? ele me pergunta como se falasse complexidades, e me olha fundo nos olhos, no que desvio o olhar, pq não agüento todo aquele peso que ele deposita em seus decretos. porque nossas conversas pós-foda não eram conversas, eram verdadeiros tratados, só não muito diplomáticos... mas eu o ouvia, sempre. deixava pairar no ar o silêncio do meu tédio irremediável, a indiferença que eu era constrangida a perceber como mórbida por aqueles olhos lindos limpos e claros, transparentes, que faiscavam por trás do jogo de sombras. era noite, mas eu ainda conseguia senti-los flamejantes, e quase pedintes, me queimando o rosto, e esse calor que subia não me deixava mentir, e me fazia querer falar tudo aquilo que sempre quis e nunca arrisquei, porque as pessoas são muito preciosas e lálálá, e quanto mais pensava sobre dizer, mais pungentes ficavam as palavras, formigando na ponta da língua. eu queria dizer que estávamos então em vias opostas, pois eu acabara de perceber que não acreditava mais em príncipe encantado, pois que se eu encontrava um a cada mês, ou um a cada esquina, não podiam ser todos aqueles homens da minha vida, e concluí, com certo desembaraço, que são pessoas dentro de circunstâncias, e que fora delas, também morre pra gente o significado daquilo que amamos. e admitir isso não era nenhum desencanto, era até um pouco mais reconfortante, pois eu sabia que não existia expedição missionária amorosa alguma a ser trilhada, não havia sequer um objetivo concreto a ser perseguido! tive vontade de dizer pra ele que a mulher de sua vida é provavelmente aquela que está quieta do seu lado o tempo todo, aguardando com paciência a sua esperança ingênua transformar-se em desapego, em liberdade, em símbolos outros, mais lúdicos que o martírio eterno dessa busca arbitrária.

Lynce
Enviado por Lynce em 07/08/2008
Reeditado em 31/08/2008
Código do texto: T1116689
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.