Histórias de homens e mulheres
É grande o meu fascínio pelas vidas das pessoas, não importando o tempo ou o espaço em que viveram. Acreditando que cada um de nós, seres humanos, somos indivíduos e que cada individualidade é única, esse meu fascínio fica explicado. Cada história tem o seu diferencial e merece ser contada. No entanto a maioria das histórias se perde no anonimato porque a maioria de nós é desconhecida para os outros.
As individualidades que mais me encantam são as femininas. Ou seja, eu sinto uma atração especial pela leitura de biografias de mulheres. Principalmente quando são bem escritas.
Ao ler o livro Histórias de Mulheres de Rosa Montero fiquei pensando em outras mulheres, aquelas que passaram ou ainda estão em minha vida e das quais provavelmente ninguém contará a história. Fiquei pensando em minhas avós, Maria e Olímpia.
Minha avó Maria eu conheci. Foi e continua sendo um dos grandes amores de minha vida. Casou-se aos quinze anos com um homem bem mais velho, o meu avô Chico Caetano. Era analfabeta porque o pai achava que mulheres não deviam aprender nem a ler nem a escrever.Mesmo assim criou nove filhos e todos tiveram uma vida melhor do que a sua.Ficou viúva no mês em que nasceu seu filho caçula senão provavelmente teria tido mais filhos do que teve. Criatura maravilhosa, a louca da casa reinava em sua mente: inventava as histórias mais malucas para nos contar.Também era teimosa: Teve quatro filhos com o mesmo nome: enquanto um não vingou não desistiu.Foram quatro Beneditos e quando nasceram gêmeos colocou José no nome para diferenciá-los: José Benedito e Benedito José.Minhas melhores lembranças da infância estão ligadas a ela. Os tios, meninos ainda, herdaram o pequeno negócio do Pai. Herdaram uma venda e a mãe os ajudava o quanto podia. Eu me encantava com os doces que fazia. Eu os chamo de doces de papel crepom.Porque era assim que ela conseguia dar cor aos doces: extraindo a tinha do papel crepom. Ela os colocava na água e utilizava a água colorida para fazer doces simples. Água, açúcar e coco ralado. De todas as cores. Minha avó me fazia sentir uma rainha. Melhor que isso, uma pessoa.Se nos encontrássemos hoje ela não me reconheceria: estou mais velha do que ela quando morreu.Morrer tão nova não é justo. Se é que a morte existe. Poderia escrever um livro sobre ela, mas estou escrevendo uma crônica. Que é um texto curto. Então tenho que parar porque preciso falar da outra avó. A qual não conheci. Olímpia, a que ganhou uma fazenda quando se casou. Mas morreu pobre, muito pobre.Era de ascendência nobre, herdeira do famoso e lendário Barâo de Cocais.Uma herança que nunca ninguém viu. Criando os filhos ao lado do marido, músico e boêmio, tinha uma profissão: era colchoeira, ou seja, fazia colchões.Um dia, desconfiando que o marido estava visitando uma certa mulher, invadiu a casa. Lá, em um canto do quarto, encontrou um colchão enrolado. Talvez um colchão que ela tivesse feito. Pegou uma vassoura e passou a surrar o colchão. Doida? Não. É que meu avô com nome de filósofo havia se escondido ali. Mas como tinha uma perna que não encolhia, conseqüência de um acidente etílico, o pé ficou para fora do colchão. Bravinha a minha avó. Meu pai dizia que minha irmã Neuza se parecia com ela. E a história de Neuza também merece ser contada. Porque ela ficou cinco meses dentro de um hospital, cento e um dias na UTI mas não se entregou. Ela não queria morrer e não morreu. Eu poderia contar a história de minha mãe Zenita, que também herdou um dos negócios de Pai e foi durante muitos anos Agente do Correio. Uma agência que funcionava em um dos cômodos de sua casa. Embora mãe de dez filhos, tinha um emprego e por isso sempre foi dona de seu nariz. E usou essa propriedade para construir um futuro melhor para nós.Foi pioneira em muitas coisas. Sua casa foi a segunda a ter geladeira em sua cidade e ela fazia picolés para vender, em minha lembrança mais saborosos do que os da Kibon. Representante de assinaturas de um jornal, compreendia a importância da leitura. Costumo dizer que por sua causa eu nasci lendo.Eu poderia ainda falar da história de minhas irmãs, todas elas vitoriosas. E de uma infinidade de parentes, amigos ou simplesmente de pessoas que se cruzaram comigo em algum momento da vida.Mulheres e também homens.Porque cada um é especial.Único. Mas isso ficará para outro dia.Acabei de escrever esta crônica. Agora quem quiser que escreva outra.Sobre homens e mulheres.
Lavras, 07 de agosto de 2008