Jardim da Saudade

Há quem conte que viveu no Jardim da Saudade um velho moço chamado Valjean. Eu, que sou filho da razão e suposto conhecedor da metafísica, prefiro acreditar que as palavras se tornam lendas quando deixam de ser acreditadas. Sendo assim, apresento a vocês uma história, que não deixei transformar-se em uma farsa (em minha mente), pelo motivo acima apresentado. Caminhar é o resultado da interrogação pendulante cerebral, que vai do sim ao não em segundos, e procura sempre reconhecer no que não é seu um motivo verdadeiro pra tornar sua idéia então falsa. Não ter personalidade? Creio que minha concepção não possa ser resumida a simplicidade assim. A construção que tive do meu tempo presente (não que eu negue o passado ou deixe de acreditar no futuro, prefiro acreditar que a vida é só o presente, pois é o único momento que estou nela). Certamente o senhor, que em certos momentos vos falarei, discordaria disso – ele tende a achar que o passado não morre, e que o futuro é o passado do futuro do futuro – e nada além disso. Tirando algumas considerações, que não me submeto a questionar agora, existe um fundo de razão. Perdoem-me a falta de educação: não me apresentei. Se o fiz, não foi por querer parecer arrogante, longe de mim isso: a física não corrompeu minha mente a tanto. Meu nome é Chrono Gates, fui interrogado por um ser misterioso que me pediu que contasse essa história (ou estória? Estou realmente com sono...). Feito esse pequeno preâmbulo, prossigo: ao caminhar nessas questões um tanto quanto complexas, perdi a linha direcional que me fazia seguir um plano reto; fui longe do meu destino assim - quando eu falar sobre o destino, entendam como direção; não como destino em si (tenho minhas concepções sobre o determinismo e o não determinismo, porém não são totalmente fundamentadas, sendo assim, prefiro não as expor). Passo largo; caminho curto, resultado óbvio: cheguei. Ora, mas não estarei eu no Jardim da Saudade? Mas que diabos faço aqui? Considerei que meus pensamentos ininterruptos (que tanto me agradavam) poderiam não ser completamente bons. Como já estou aqui, pensei, deixe-me ver o que posso encontrar – estava completamente ausente o meu medo de perder a hora; quando hoje me lembro desse fato ainda não compreendo o porquê. Subi a ladeira que dava ao ápice do jardim; como era bela aquela visão. É verdade: existem poucos lugares hoje que dêem a sensação de completo deslumbramento ao olhar o céu. São tantas construções, tantas motivações tecnológicas que não dão motivação alguma. São tantas compensações de espaço vazio - como não ser feliz assim? - não há como não repor o peito que é vago; sobram soluções, sobram equipamentos ultra modernos, sobram, sobram... Sobram coisas demais, e o que deveria preencher não sobra; falta de menos. A verdade é que nada paga o céu (somente o céu, sem suas obstruções). Ao voltar a mim, vi uma casa. Pobre casa - e casa pobre. O modo que eu colocar as palavras pode impedir quem as leia de entender o que digo, mas nunca mudará o que senti - e é isso que vale. Peço então: por favor, entendam o que quiserem. Sim, o que quiserem. Não escrevo certezas, são elas que pensam que me escrevem. Tirem das minhas palavras o que for belo aos seus olhos, ou o que lhes tocar o coração. Porque, no fim, nunca poderei transpor o que o cruzar por aquela porta significou: esse papel é pequeno demais pra mim, e vai continuar a ser (e eu continuarei a não me dar por isso). Far-me-á feliz aquele que ler e der vida as minhas palavras, pois elas nada valem sem isso. Se não forem flexíveis, nunca poderão encher peitos: nelas não caberá ar. Virem ar, palavras minhas, virem ar! Encham peitos, e depois sumam. É o que te peço; é o que peço aos que te tiverem (e aos que te pertencerem também).

01-06-2008.

obs: Isso se passou dez anos antes de "Casebre e Pó". Foi o momento do encontro entre os dois seres (o que narra a história e o que futuramente aparecerá). Como "Casebre e Pó", esse texto também continua, publica-lo-ei quando puder. Obrigado.