Eu percebi
Eu percebi... Era sexta-feira a noite na fila do supermercado quando eu percebi. Eram exatamente 22 horas e 25 minutos, eu sei por que no supermercado tem um relógio bem grande na hora em que a gente vai comprar pão fresco. Como foi a última coisa que comprei antes de ir pra fila e eram 22:23, então... Mas voltando. Eu contava com meus 29 belos aninhos – belos pois, mesmo sendo pobre, fiz tudo que minha posição socioeconômica e mais uma pitada bem grande de criatividade me permitiu – e exatamente 1 ano e 23 dias de casada. Claro que isso é importante, era pra eu ter percebido antes de casar, óbvio, todas as pessoas que eu conheço perceberam antes de casar e eu... depois de um ano. Bom, mas voltemos à fila do supermercado, eu percebi por que bem na minha frente, tinham três rapazes e cada um deles iriam comprar uma caixa de cerveja de lata com 12, era Bohemia, a cerveja, não o que eles iriam fazer depois com elas, eles nem tinham cara de boêmios, tinham cara mesmo era de uns verdadeiros mauricinhos, sabe aqueles tipinhos (bem jovens - mas não que isso seja fator inerente), que estão se achando o máximo por que estão numa sexta-feira a noite comprando cerveja? Ridículos!!! O fato é que eles estavam lá e eu estava bem atrás deles, eu olhei para todos os lados, li todas as manchetes de todas aquelas revistas de fofocas que ficam no corredor até chegar ao caixa, acho que elas ficam lá na intenção de que a gente acabe se rendendo ao mundo supérfluo da fofoca e acabe comprando uma pra perceber que os ricos e famosos são tão normais (ou anormais) quanto nós, bem, comigo não funcionou, eu só estava vendo as revistas para não perceber, mas não adiantou, eu percebi. Depois de um tempinho, curto é verdade, eu não resisti e olhei para minhas compras, como falei antes era sexta-feira, mais de dez da noite e várias cervejas com os rapazes da frente, na minha cesta tinha algumas bananas, pão e ovos. Alguém pode me dizer quem compra pão, ovo e banana sexta-feira a noite? Pois bem... Era exatamente isso que tinha na minha cesta. Depois de ficar alguns minutos imóvel olhando pra ela (a cesta) comecei a sorrir, com um pouco de vergonha pois vamos combinar que é estranho rir sozinha sem motivo, mas eu sorri única e exclusivamente por que eu percebi. Então comecei a lembrar o quanto eu resisti, quanto tentei, quantas vezes me enganei achando que isso não mudaria na minha vida, mesmo casada, mesmo em outro estado, mesmo mais velha, era certo como é certo que o céu é azul (o céu é azul?) que ISSO não mudaria. Mas mudou... O que eu percebi foi justamente que mudou. Pois era sexta-feira a noite, tinha uma fila no caixa do supermercado, as pessoas da frente cada uma com uma caixa de cerveja, a de trás com pão, ovo e banana, e eu... eu era a de trás.
Kenia Nogueira Diógenes da Rocha