A milenar arte do telemarketing
Normalmente eu só escrevo sobre tópicos subjetivos. Mais simples, menos chances de causar polêmica. Mas hoje, após receber uma ligação no exato momento em que fazia contato com as primeiras gotas gélidas do chuveiro recém ligado, sinto-me pressuroso por escrever sobre este assunto.
Exatamente: telemarketing! Nada mais presente no nosso cotidiano do que ser surpreendido por aquela ligação que já é inoportuna no quesito horário. Fico me perguntando se existe uma tabela de horários em que os indíviduos estarão menos propensos a serem importunados regendo as ligações efetuadas.
Me desculpem os que trabalham com telemarketing, mas existem momentos em que não é possível ligar para as pessoas.
Exemplo? 19h. A hora em que você senta no sofá, repousa os pés cansados sobre o encosto e suspira longamente. Fim do dia, descanso de algumas horas antes de ser travada a batalha do dia seguinte. Naquele momento você só quer apagar. Desligar o cérebro que trabalhou arduamente durante às oito horas da sua jornada de labuta, em alguns casos até mais. E é justamente neste momento, quando você se encontra em completo torpor, que toca o telefone. Você leva três minutos só pra perceber que sim, aquilo é o seu telefone tocando. E você se ergue. Balança sobre as pernas bambas. Caminha, ou melhor, arrasta-se até o telefone pensando: "quem diabos me ligaria neste horário?" Então você irá imaginar que é algum parente ou amigo, querendo conversar. E com isso você se anima. Acelera o passo até o aparelho e atende-o. E, acabando com o seu entusiasmo, vem aquela voz pseudo-robótica a saudá-lo. "Boa noite senhor. Por gentileza, eu gostaria de estar podendo falar com o proprietário da linha." Céus, não! Não é o momento para receber esta ligação. Neste horário, seu cérebro já está em "stand by". Só restou o instinto. E, bem, digamos que é por isso que alguns atendentes de telemarketing reclamam da educação das pessoas.
Mas, é sério, não há um estudo sobre os melhores horários para se importunar... digo, telefonar para as pessoas a fim de vender-lhes algum produto que provavelmente elas não precisam/querem? Até para a optimização das vendas de telemarketing. Muitas vezes os produtos que nos são oferecidos tem algum valor, até seria um bom negócio adquirí-los, porém o contato não é feito no melhor horário, e a pessoa é pega no pior momento possível. Você quer descansar, mas o seu filho quer que você brinque de ninja com ele, o seu cachorro defecou o máximo que podia pela casa toda e para completar o seu miojo favoríto está em falta. Neste instante, quando qualquer ruído fora do lugar lhe faria explodir, o telefone toca e alguém tenta convencer-lhe a fazer uma doação para auxiliar a "Sociedade de Proteção às borboletas do Afeganistão". Bom, nada mais justo do que esta pessoa ser mandada para... bem... vocês sabem.
Tudo bem, esta história tem seus dois lados. Devemos lembrar que os pobres atendentes de telemarketing são apenas trabalhadores comandados por um sistema perverso e muito maior do que qualquer um de nós. Eles precisam nos vender seus produtos/idéias/qualquer coisa para cumprir suas cotas e serem pagos. Os coitados vivem numa balança: o salário ou o bom senso. E, é triste dizer que muitas vezes o lado financeiro prevalece. Mas é compreensível, eles precisam cumprir suas metas. Muitas vezes nós descontamos nossas frustrações neles sem que ao menos tenham culpa. Os infelizes apenas estavam "no lugar errado, na hora errada."
Fazer o quê então? Apelar para alguma instância superior, para que nos protejam deste mal? Nos EUA já existe alguma lei neste sentido. Se não me engano, por lá, a pessoa pode cadastrar os números indesejados em uma lista especial, e a própria companhia telefônica bloqueia as ditas ligações. No Brasil isso seria um sonho, já que são as próprias companhias telefônicas que mais nos incomodam com seus gerúndios.
Só nos resta acreditar num futuro melhor. Acreditar no bom senso dos infelizes operadores de telemarketing. Bem que eles podiam nos ligar e dizer:
"-Boa Noite senhor. - E então, falando em voz baixa e em tom de quem pede desculpas - Desculpa aí moço, é que eu preciso cumprir a cota aqui. Tu pode largar o telefone num canto aí e voltar daqui uns cinco minutos, responder um 'não' e desligar. Quebra o galho aí cara, pode ser?"
Seria divertido.
Enfim, nada mais do que um desabafo a ser feito. Espero que os operadores de telemarketing não me detestem por este texto. Até porque, ser odiado por eles seria um inferno. Imagine, o telefone tocando de cinco em cinco minutos. Ah, tenho medo.