Outra Noite

Senti que seria uma noite como tantas outras que vinha tendo ultimamente em minha vida. Mais uma noite de solidão. Sentado não muito no fundo do bar, observando a rua, onde percebia o contraste entre os carros que passavam ligeiramente e as pessoas que passeavam aparentemente mais tranqüilas, consegui ver um bêbado trôpego, um estudante, uma moça bonita e apressada... mas não vi ninguém ali que me fizesse sair daquele marasmo melancólico.

Olhei no relógio. Eram nove e meia da noite. Observei o copo a minha frente e o toquei. A cerveja estava quente. Pedi outra. O bar estava quase vazio. Havia um casal no outro canto. A mulher parecia bem mais velha que o rapaz, ela tinha o cabelo tingido de louro e tagarelava sem parar. Entre os que estavam sentados no balcão havia um que me era conhecido em meio a outros que não faziam parte do meu círculo de amizades. Era o Miranda.

Não estava com vontade de conversar com o Miranda por isso eu não o havia saudado ainda. Também já havia cansado de olhar para a rua e observar o movimento das pessoas. Só tinha olhos para a espuma da cerveja que já havia sido despejado no copo pelo garçom a meu pedido.

No entanto, Miranda se aproximou:

- Olha quem está aqui.

- Boa noite, Miranda.

- Você não tem aparecido por aqui. O que foi? Já arrumou outra pessoa não é?

- Não, não arrumei.

- Talvez alguém que te ponha nos eixos, não é? – Miranda sorriu. Esse era o problema dele, sua insistência.

- O que foi então? – Miranda pediu uma cerveja – Ainda é a Raquel, não é?

Miranda mudou de fisionomia quando disse aquilo. Ficou compenetrado, deixando de lado o jeitão de canastrão simpático que induzia a qualquer cidadão comum a vê-lo como uma pessoa ótima para se convidar para tomar um drinque e conversar sobre mulheres, mas nunca sobre amor no sentido mais abstrato que se costuma atribuir a essa palavra.

- Sim, ainda é a Raquel.

- Puxa vida, essa mexeu mesmo com você.

- Não sei se é bem isso. Eu ando meio cansado dessa visão dominante que está prevalecendo nesse mundo aí.

- Como assim que visão?

Naquele momento eu não sabia se Miranda era a pessoa certa para aquele tipo de confidência, alias não sabia nem se no meu círculo de amizades havia alguma pessoa certa para ouvir aquele tipo de coisa que estava engasgada na minha garganta já há algum tempo. Talvez nem eu mesmo, se tivesse do outro lado da mesa seria essa pessoa, mas de qualquer forma isso já não importava mais.

- Eu sei que a Raquel te sacaneou um bocado. Você me contou uma vez.

- Sim. Ela cometeu os erros dela. Eu também cometi os meus. Mas será que é apenas isso? A vida hoje se resume a um contar os erros do outro fazer uma somatória e ver quem tem razão? Isso parece esporte.

- Nós não somos perfeitos – Miranda bebeu um pouco da cerveja e observou a loura da mesa do canto – sinceramente ainda não sei aonde quer chegar. Porque não procura a Raquel e pede desculpas? Tenho quase certeza de que ela voltaria pra você.

- Talvez sim, talvez não, mas o problema que eu não sei se vale a pena. Será que eu a mereço? Eu não sei.

- Você está se subestimando.

Miranda olhou novamente para a loura que dessa vez percebeu seu olhar.

- Não é essa questão. Será que vamos ficar para sempre brigando e nos perdoando eternamente sem nos darmos conta de que a vida é curta e precisamos ser mais que isso. O que aconteceu com o romance? O que aconteceu com os nossos sonhos? Será que valemos tão pouco? Será que não estamos conformados demais com nossas vidas? Alguém resolver dizer que não podemos desejar mais que uma somatória de pontos para contar ao longo da vida e todo mundo entendeu que essa deveria ser a verdade. Viver como se definitivamente o ter fosse mais importante que o ser. Isso não me interessa. Porque não poderíamos voltar a ser como cavaleiros e morrer pelo que acreditamos?

Miranda não se dispôs logo de cara a responder àquelas perguntas, não o culpava por isso. Para nós até pouco tempo atrás romance era apenas uma forma te se conseguir capturar uma mulher.

- Cavaleiro! Eu sempre quis ser cavaleiro, mas sempre faltou uma armadura! – disse Miranda – o que eu estou achando mesmo é que você está falando de casamento com papel passado.

- Não é nada disso. Não gosto muito quando as pessoas falam isso. Casar de papel passado, ter filhos, ter responsabilidades... Isso é só o jeito que o sistema tem de regular as coisas. Não estou falando disso. Ao contrario, eu falo de ser irresponsável, de levar o amor até as últimas conseqüências de não ter vergonha de se expressar. O amor não é piegas como os modernos assim o colocaram, não é coisa de revistinha de fotonovela. O amor é uma necessidade. Uma necessidade desesperadora.

Miranda aos poucos parecia ir sendo tomado por algum tipo reflexão. Estranhamente mais pensativo já não olhava tanto para a loura. Quem diria! Cheguei a pensar que não conseguiria nada se abrindo com ele, mas agora já não tinha tanta certeza. Talvez fosse assim mesmo: as pessoas andavam precisando mesmo era de um empurrão para começarem a questionar suas vidas ou talvez estivesse enganado e o Miranda riria de mim pelas costas. Mas isso não importava. O que importava agora é que tinha conseguido dizer o que pensava e estava se sentindo bem com aquilo.

Paguei a conta e me despedi de Miranda. Parei na porta e observei a noite que continuava excitante e enigmática. Mas continuava me sentindo como se não estivesse dentro dela. A minha melancolia, no entanto, já não me incomodava como antes. Talvez se acostumasse com ela ou não, mas agora só pensava em ir para casa mais cedo que te costume e deixar minhas reflexões para um outro dia.