QUEM É MAIS QUE ...?
Pituca, o Chiquinho, sempre foi feliz! Mesmo tendo um retardo mental leve. Na época da existência do Mobral até tentou aprender a ler e a escrever, mas havia déficits no funcionamento adaptativo na parte da aprendizagem educacional insuperáveis.
Agora nos seus 40 e poucos anos, com o falecimento do seu irmão tinha um apoio ainda maior dos seus padrinhos, vizinhos e amigos. O seu único irmão sempre o renegara, mas com a morte do seu pai foi obrigado a levá-lo a morar com ele, em outra cidade.
O convívio sempre foi conturbado. É que o irmão não queria deixar o Chiquinho viajar para rever os amigos, alegava não poder pagar a passagem de ida e volta à cidade que muito amava.
Mas, ele não se dava por satisfeito, muito irritado dizia ao irmão:
_ Vou lá no tal de orelhão da esquina ligar para a madrinha e o padrinho pra conta tudo.
_Tudo o que???
_Que o dinheiro que eles deram pra eu viajar você gastou.
Então, ele saia batendo os pés. Andava rápido até o telefone, tirava o aparelho do gancho e discava, mas sempre um número a menos para não completar a ligação.
Dessa maneira, um verdadeiro teatro começava.
Chiquinho fazia de conta. Falava alto e gesticulava muito, sempre olhando a reação do seu irmão. O dito cujo, caia na esparrela.
_ Desliga. Pare de fazer fofocas! Vou emprestar CR$ 50,00. Pode viajar amanhã mesmo.
O irmão era o responsável legal do Pituca, e, sendo assim, ficava com o dinheiro da sua aposentadoria. Ele havia sido considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garantisse a subsistência.
Mas, todos gostavam muito dele, e o presenteavam com roupas, utensílios domésticos, produtos de higiene. E quase todos os dias, Chiquinho era convidado para almoçar e jantar nas casas dos seus amigos. Todos o queriam muito bem e não deixavam faltar nada a ele.
Há um tempo atrás mudou para a sua cidade uma família muito numerosa, vizinha do Pituca.
A convivência entre eles foi inevitável, Dona Carlota tinha um filho excepcional, e pediu ao vizinho, se não o levava para a APAE para fazer fisioterapia, pois assim o seu filho poderia se locomover melhor.
Chiquinho, no dia seguinte, conduziu o jovem até a instituição conhecida pela sua liderança histórica no desenvolvimento de ações inclusivas e da promoção de pessoas com deficiência.
O fisioterapeuta pediu para que os dois fizessem as atividades.
Então, após dois dias, quando Chiquinho foi visitar os seus padrinhos ele contou a novidade, e no seu falar compassado disse:
_Madrinha agora eu também sou “beibisisti”.
_Beibisisti? Como assim!
_É que agora eu tomo conta e levo um moço para fazer ginástica na APAE.
_AH! Você é babá?
_Só que acontece uma coisa esquisita, ele parece que não compreende o que falo.
_ Como?
Chiquinho fez aquele gesto característico, de girar o dedo ao redor do ouvido, por várias vezes.
_Louco??
_É. Se eu mando atravessar a rua, ele olha para o céu. Se pedir para ele andar mais rápido, ele senta na calçada. Nossa! Olha, madrinha, tenho que fazer muita força para ajudá-lo a levantar.
_Será que ele não é surdo, Francisco?
_ Surdo? Madrinha, a mãe dele falou que ele escuta tudo de atravessado.
_Atravessado?
_É. Acho que por isso que ele não travessa a rua.
As gargalhadas tomaram conta da casa.
_E tem outra coisa ele também não sabe contar.
_Nossa! Por quê?
_O professor, pede por um exemplo, para que a gente salte e conte até dez. Enquanto, eu estou ainda no número três, ele já parou.
A madrinha não agüentando mais o riso, fez cara de quem não estava entendendo.
_Ele conta assim madrinha. Um, cinco e dez. E fala.
_Acabei!
_Então, deita no chão e fica me olhando. Mas, eu percebi que o professor não escutou e não viu. É que o coitado do homem, tem mais vinte alunos e fica correndo de um lado para o outro.
_E o que você aprontou Chiquinho?
_Quando acabou a aula, antes que o meu amigo escutasse, contei tudo o que ele fazia pro professor.