O SEGREDO (DO BOLO)

- Quanto custa o pedaço do bolo? – pergunto.

- Um real! – responde Dona Rita.

- Tem bolo do quê?

- Chocolate, banana...

- Tenho apenas um real trocado. A senhora pode me dar metade de cada um. Queria tanto provar os dois.

- Ai, moço! – reclamou – O senhor não está sendo justo comigo. Se eu vender duas metades, saio no prejuízo. Quem é que vai querer pagar apenas por uma metade de um bolo?

- Banana! Quero então, o pedaço do bolo de banana.

Dona Rita tem uma barraca de café e bolo, em frente ao Hospital das Clinicas, ao lado da entrada do metrô. Pelas dobras do rosto e cabelos brancos; eu diria que ela passou dos sessenta; por sua experiência e sapiência, que passou dos duzentos. Exagero? Que nada! Ouvir a Dona Rita é uma experiência única: ela fala muito, e cativa mais ainda.

Todos os dias, ela sai do Embu para as Clinicas. Por vezes, o neto a ajuda, outras vezes, é ela quem carrega o seu carrinho de bolo e café, ladeira acima. Todos parecem conhecê-la e param por lá, para comer bolo e ouvir os seus conselhos.

- Dona Rita, eu vivo doente! – reclama uma mulher, rosto magro, corpo mais fino ainda, pedindo um pedaço de bolo de mandioca. - Parece que vivo mais nesse hospital que em casa.

- Mulher, pare com essa ladainha – dá uma bronca, Dona Rita - Enquanto você achar que está doente, nunca vai sarar.

- A senhora fala isso, porque tem saúde de sobra – protesta a mulher.

- E eu lá tenho tempo de ficar doente. – diz Dona Rita – Tenho uma família para sustentar, e quando você tem Deus no coração e na mente, você tem a fonte. Tem dias que dá um cansaço, uma vontade de ficar dormindo, de dar bola para a preguiça, que é outro nome para o diabo; mas eu levanto e crio coragem para mais um dia, afinal, tenho aqui dentro, um Deus que cura tudo.

- Queria ter essa fé da senhora! – fala a mulher.

- Não precisa ter a minha, acha a sua – ri a Dona Rita, com as suas próprias palavras – Todas as doenças matam e você não veio para ficar pra sempre nesse mundo, não é? Basta nascer para morrer, mulher, essa é a realidade da vida, mas se você quiser minha opinião, eu vou te dar: cria coragem, força e repita pra si mesma: “eu sou forte e venço até a morte!”. E você vai ver o quanto você já é vitoriosa.

- Dona Rita, é esse vicio maldito que mata – justifica a mulher- E eu não consigo largar.

- Para com isso, mulher, força! Basta nascer, para se viciar em algo, mas com um pouquinho de vontade a gente larga. É a natureza humana, já crescer viciado em peito para mamar, e a natureza é sábia. Eu sei que sair do vicio é difícil, mas se você já aprendeu um dia, a largar o peito, a chupeta, a mamadeira, largar o cigarro e a bebida é só mais um passo. Seja determinada e cresça!

- A senhora é tão sábia – elogia a mulher – Espero um dia chegar a sua idade, assim tão sábia.

- Chegar nessa idade é fácil – diz Dona Rita – Difícil é ter lucidez para fazer a opção certa, e sabe qual foi a opção mais sábia da minha vida?

- Não!

- Trabalhar!

Essa é a Dona Rita, a rainha do fala tudo, das frases feitas, da experiência que vira provérbio, mandamento e assunto de crônica. Comi apenas um pedaço do bolo dos dois sabores que desejava, mas mesmo que Dona Rita tenha me ensinado que não podemos ter tudo, sai de lá com algo a mais que a barriga cheia de bolo; aprendi com ela, muito mais sobre a vida.

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