BELA



Simplesmente entrou jardim adentro. Como se fosse sua casa. Pequenina, fofa, colorida, olhos verdes e malandrinha. Majestosamente atravessou o gramado, a porta escancarada e tomou conta de nossas vidas. Éramos quatro pares de olhos encantados com tanta desenvoltura, e quatro cabeças tentando encontrar um nome que melhor traduzisse o encantamento. Enquanto isso, o pequenino ser, subia no sofá, pulava de um colo para o outro e arranhava os pés da cadeira. Era muito bela. "É isso! Que tal Bela?"

Inteligente, já no dia seguinte atendia pelo nome e em pouco tempo aprendeu a reconhecer diversas palavras. Sabia onde eram guardadas as coisas gostosas para uma gata e para os humanos também. Tornou-se o terror para os insetos que habitavam os quinze metros do jardim e infernizava a vida dos outros gatos do pedaço. Apesar de toda esperteza, teve de ser condicionada a escolher uma única planta para afiar as unhas.

Durante o banho semanal, exibia seu rico vocabulário de "palavrões gatês" adquirido nas andanças noturnas. Adorava brincar de esconde-esconde nos degraus da escada ou de perseguir bolas de isopor, que rapidamente se transformavam em algo de formato indecifrável. Tinha paixão por aprender a tricotar. Pelo menos era o que demonstrava, subtraindo-nos as agulhas e travando verdadeira batalha com os novelos. Aliás, como todo bichano que se preze.

Um lindo dia, ainda adolescente, apareceu grávida. E não apresentou o responsável. Assumimos as conseqüências de seu ato, como quaisquer pais da atualidade. A partir desse dia, passava horas com a cara enfiada no pote de ração e só não assaltava a geladeira porque, apesar de ter tentado, não conseguia abrir a porta. Virou uma bola e, temporariamente, passou a ser chamada de "Gôda". Seu desaparecimento na hora do parto, embora esperado, provocou um certo pânico e levamos horas para descobrir a maternidade no forro do telhado da área de serviço. Depois de dois dias, com enorme esforço, trouxe os filhotes para dentro de casa através de uma janela do segundo andar. Eram quatro fêmeas lindas que imediatamente conquistaram nossos corações, já um tanto quanto acostumados a se apaixonarem por gatos. Foi aí que descobrimos que as mamães gatas possuem um vocabulário maravilhoso. Sonoro e interessante. E que por mais que tentemos acomodar seus filhos confortavelmente em caixas ou cestas, elas sempre tentam levá-los para dentro de um armário.

Passado um tempo, cometemos um pecado grave com nossa Bela. Demos suas filhas. Puro egoísmo de animais racionais, que só pensaram na dificuldade de sustentar tantas bocas. Depois a castramos para que não mais passasse novamente pelo trauma da separação.

Sem as preocupações maternas, nossa Bela ficou ainda mais malandrinha, atrevida e destemida. Envelheceu brincando de pega-pega e esconde-esconde, com toda a graça de um filhote mimado.

E assim como chegou, um dia se foi de nossas vidas. Sem pedir licença... sem dizer adeus. 




Foto:   Arquivo particular -  Bela  lindamente grávida.

Ly Sabas
Enviado por Ly Sabas em 13/02/2006
Reeditado em 13/07/2009
Código do texto: T111129
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