Memórias

Se eu escrevesse as minhas memórias, haveria alguém interessado em lê-las? Talvez sim, até por curiosidade, alguém que quisesse ler algo bombástico, escabroso, talvez descobrir um lado negro na minha personalidade e na minha vida... Sim, porque muitas vezes o que move as pessoas é esse lado mórbido, esse desejo de esmiuçar, ver o que está velado.

Mas creio que minhas memórias não teriam esse tipo de revelação, porque eu procuraria escrever o que na minha vida foi positivo, falaria das pessoas que me ajudaram a crescer, e dos atos que durante minha existência puderam ser de alguma utilidade para com meu próximo. Não que eu posasse de santo... Haveria algumas passagens engraçadas,outras tristes e com certeza algumas que levassem a alguma reflexão. Eu procuraria ser honesto, colocaria no papel o que vivi, como vivi, com quem vivi... Talvez um dia me anime a escrever essas histórias...

Talvez um dia eu saia do marasmo e aproveite mais uma vez os dons que me foram dados e relate tantas coisas que de repente começam a aflorar na memória, de maneira até assustadora, pois como todos os que param para refletir sobre isso, me dou conta que os anos passaram depressa demais...Olho para meus filhos e já não vejo nenhum criança... Onde está aquela menininha dengosa que eu carregava no colo? Onde está aquele menino compenetrado que eu levava de cavalinho nos ombros? São dois adultos, conversam comigo de igual par igual, me ensinam coisas...

E olho no espelho... Até que não estou tão mal assim... Mas já vejo marcas, e me vêm à cabeça declarações de pessoas famosas, que se dizem orgulhosas de suas rugas... Não sei se me orgulharei das minhas... Olhe aí, já é um aspecto, digamos, negativo de minha minha personalidade: não quero ter rugas, não gostaria de envelhecer! E me lembro de uma frase,lugar-comum, muitas vezes ouvida: só não envelhece quem morre cedo... E olho novamente no espelho: sossegue, ainda não há rugas, somente marcas de expressão... Você saiu à sua mãe: raça boa, um pouco de bom sangue índio misturado com bom sangue português... Pele boa... E sempre bebi muita água, é bom para a pele, hidrata... Mas até quando? Terei um dia, e espero viver para isso, que conformar-me e encarar as marcas do tempo. Com certeza nesse dia serei mais sábio, terei aprendido mais uma lição com alguém que certamente passará por minha vida com esse condão.

É como tenho vivido: aprendendo sempre, a cada dia, com tantas pessoas: com as pessoas mais simples, com clientes, com meus mestres, com meus alunos, com amigos, com meus pais e como já disse,a te com meus filhos. E com certeza, até comigo mesmo, pois a cada dia que passa, conheço mais essa personagem que interpreto desde o meu nascimento... Foram tantos os atos, tantas as peças que interpretei...Quantas músicas cantei, quantos poemas não recitei...

Para hoje olhar para trás e poder com convicção afirmar que fui e sou feliz, mas que poderia tê-lo sido muito mais se tivesse sido mais sábio, se tivesse ouvido mais meu coração e me preocupado menos, se tivesse bebido mais vinho, se tivesse viajado mais, tivesse tido menos medo...

Porém a certeza de ainda poder fazer tudo isso é que me faz mais feliz, e quem sabe, um dia, talvez eu ache que valha a pena escrever as minhas memórias!