HOJE, NEM PRÓ NEM CONTRA
Já dizia Homero, o da Odisséia: de qualquer coisa é fácil falar: pró ou contra.
Hoje, nem pró nem contra. De estilingue guardado no bolso, diante da vitrina por decorar, apego-me à conjecturas. Imagino se tem alma o manequim exposto – para quem alguns transeuntes apressados olham de soslaio e dizem levar jeito de rei, imperador ou príncipe, outros param e o criticam por enxergá-lo nu e outros menos apressados param por lhe enxergar o manto real.
Qual a reação do manequim à desaprovação de muitos? Seria idêntica a do rei Arquelau, que ao passar por uma rua alguém lhe jogou um balde de água à cabeça. Incitavam-no a punir o desastrado, mas ele respondeu: “Não foi em mim que ele jogou, foi na pessoa que acreditou que eu fosse”. Ou então, feito Sócrates, que observou quando alguém lhe dizia que falavam mal dele: “ absolutamente, não há em mim, nada do que afirmam.
Quanto aos que enxergam o manto real, o que pensa deles , o manequim? Atribui-lhes méritos e os consideram como os paladinos dos tempos heróicos, que se apresentavam ao combate com armas encantadas? Ou faz como Alexandre, que admoestou Brisson por deixá-lo ganhar a luta dizendo: “devia tê-lo açoitado”. Ou ainda, quem sabe...,lembrar-se de Cornéades ao dizer que “os filhos dos príncipes nada aprendem que não seja falso, a não ser andar a cavalo: em todos os demais exercícios cedem competidores e deixam-nos vencer, mas o cavalo, que ignora a lisonja, derruba o filho do rei como o faria com o filho do lixeiro”.
Diz Montaigne, que é triste ter um poder diante do qual tudo se incline; uma tal vantagem repele as demais. Essa cômoda facilidade de fazer com que tudo se abaixe diante de si, exclui quaisquer satisfações; escorrega-se, não se anda, dorme-se, não se vive. Imaginai um homem onipotente: ei-lo angustiado; precisa pedir-nos a esmola de uma resistência.
Ainda Montaigne: As boas qualidades dos reis são como mortas e inúteis, pois as virtudes só se percebem por comparação e as deles nunca se comparam. Ignoram os louvores de bom quilate porque os aflige uma continua e invariável aprovação. Ainda que se meçam com o mais íntimo de seus súditos não poderão auferir o prazer da vantagem obtida, pois sempre haverá uma resposta irretoquível: “ trata-se de meu rei”.
Mas, quais as razões que levam muitos a não contestarem o rei? Será que pensam como o filósofo Favorino que de uma feita ,discutindo com o imperador Adriano acerca do sentido de certa palavra cedeu a este bem depressa, e aos amigos que lhe censuravam a atitude, respondeu: “Por Deus, pois então não será mais sábio do que eu quem comanda trinta legiões?” Tem também o exemplo de Augusto, que escreveu versos contra Asínio Pólo, o qual respondeu: “Calar-me-ei, não é prudente escrever contra quem pode proscrever”. Diz Montaigne, que ambos tinham razão, pois Dionísio, por não conseguir igualar Filóxeno na poesia nem Platão na filosofia, condenou um aos trabalhos forçados e vendeu o outro como escravo na ilha de Egina.