O dia do lobo solitário

Viver em sociedade. Conviver. Compartilhar emoções, momentos, alegrias, tristezas. Essas são as premissas básicas para que se possa viver com outras pessoas.

E isso é importante. Todos precisamos das experiências das outras pessoas, ou, porque não dizer, das inexperiências das mesmas para poder evoluir. São tais contatos que nos auxiliam a galgar os degrais do crescimento emocional e mental.

Precisamos de outras pessoas. Precisamos estar com alguém.

Então, porque há momentos em nossa vida em que as outras pessoas, que até outrora nós tinhamos como companheiros fiéis, passam a nos causar repulsa?

Porque é que têm dias em que você simplesmente quer estar sozinho? Dias em que qualquer contato com outrem lhe fará irar-se e ver no outro um inimigo, alguém a ser destruído?

Eu me pergunto isto hoje, por estar num momento como estes.

Minhas companhias, neste instante, me enojam.

Cada qualidade possuída por elas, que antes me causavam admiração, hoje me causam aversão. Os compreensíveis me parecem xeretas. Os sensíveis me parecem chorões. Os risonhos me parecem uns filhos da p*** quaisquer, que não entendem nada do que está acontecendo e apenas sorriem, demonstrando a ignorância que têm.

Mas, porque eu sinto toda essa raiva? Porque eu simplesmente preciso ficar sozinho? Repentinamente tudo que eu valorizava pareceu-me perder a graça. Os sonhos se desmancham em núvens negras, as silhuetas dos amigos transformam-se em sombras bestiais, que clamam por serem atacadas.

Certo, este exagero poético fluí de minha veia quando estou neste estado de ecstase furioso. O mundo me parece patético, tenho gana de destruir a tudo e a todos. Necessito ocultar a minha presença, pois qualquer encontro acabaria em um confronto, com danos que talvez eu não fosse capaz de reparar quando esta "crise" passar.

Nomeio-a "crise" por avaliá-la como tal. Um vírus, uma doença. Um sentimento que se apodera do meu ser e vira tudo "de cabeça para baixo". Seria como a maldição do licantropo, que tira-lhe a sanidade transformando-o em uma besta mortal. Pode-se dizer que eu sofro de licantropia emocional. Seguindo um certo ciclo, eu me transmorfo em um "ser", com a única e exclusiva intenção de ferir tudo que estiver ao meu alcance. E como acontece com o lobisomem, eu também sofro as consequências dos atos da minha besta interior. A indiferença momentânea me torna capaz de magoar aqueles que me cercam. Porque? Porque eu os conheço. Eles me abriram as portas de sua vida, de seus corações. E no momento em que eu sofro minha metamorfose, esta confiança transforma-se em uma arma contra tais pessoas. Tudo que elas disseram, com certeza será usado contra elas, a fim de vê-las sofrer.

É uma sensação desumana, esta de ferir o coração de outros...

É bestial. Prazeroso no momento em que se causa o ferimento, e de uma dor infernal quando se retorna a sanidade e se constata o dano causado.

É possivel classifcar esta mudança de humor como uma maldição, que destrói em instantes tudo que se batalhou anos para construir.

Mas, isto soa como uma desculpa. Diferentemente do caso do lobisomem, que visivelmente deixa de ser ele mesmo quando ataca, no meu caso não há transformação física. E é isso que torna tal transformação tão avassaladora. É como a fábula do "lobo em pele de cordeiro". É como dar permissão para que o bandido entre em sua casa. Mas enfim, de nada adiantam palavras quando confrontadas com fatos. Quem já passou por isto, sabe como é ser julgado. Seria hipócrita de minha parte, ou da parte de qualquer outra pessoa que passe por tal situação, tentar justificar seu comportamento baseando-se em lendas.

Se nós causamos o mal, é porque temos-o dentro de nossos corações e mentes, esperando uma oportunidade para ser lançado em outros.

Mais do que uma crônica ou uma avaliação médica, estas palavras são um desabafo. Muitos não verão sentido neste texto, e eu compreendo isto. Mas o ato de colocar este meu estigma em palavras me parecia necessário. Para mostrar que existem pessoas maldosas no mundo. Existem pessoas que se mostram amigáveis, mas que ocultam sentimentos negros. Consciente ou inconscientemente, estas pessoas causam a dor e o sentimento aos outros. Tais pessoas não podem viver com os outros. Elas são como lobos solitários, que abandonam a matilha pensando em proteger-se ou aos outros.

Tanto quanto um desabafo, isto é um conselho a todos os que não são assim: cuidado com as pessoas em quem vocês confiarão!

Principalmente se elas costumam sumir em noites de lua cheia...