TÁ TUDO ERRADO

Todo dia eu passava de ônibus - por uma certa rua -, com destino ao meu local de trabalho e, em uma determinada casa eu sempre via uma placa afixada na parede com algo misteriosamente escrito. A velocidade do ônibus não a me permitia ler.

Minha curiosidade aumentava, e a cada dia a coisa ia ficando mais séria. Eu ficava de olho arregalado para ver se conseguia ler aquela mensagem, mas... nada! Já vivia aperreado com aquela obsessão. Era uma inquietação nada plausível. Eu necessitava saber o que ali estava escrito e… ponto final! Virou-me uma questão de honra.

Depois de dezenas de tentativas em vão, resolvi por a coisa em prática: puxei a cordinha que aciona o aviso de desembarque de passageiros e, sem ligar para o azar - principalmente para o meu atraso ao trabalho -, desci do ônibus, e a passos decisivos fui de encontro àquela casa. Ou eu lia aquilo ou não teria paz, e somente assim acabaria com minha doentia curiosidade.

– Comigo é pau-pau; pedra-pedra. – Falei tentando visualizar a curiosa inscrição pregada na parede. Aproximei-me o máximo possível sempre limpando as vistas para desembaraçar a visão. A placa estava lá, bem na minha frente; umedecida na parede; atrás de um roseiral florido e perfumado.

– Tá difícil decifra-la! – reclamei soletrando a mensagem. Que diabo está escrito ali? Caramba! Parece um hieróglifo! Estou sentindo-me um verdadeiro Champolion, é… Ele foi aquele maluco que decifrou os enigmáticos cuneiformes da Pedra da Roseta, lembra? Grande Champolion! – Monologuei há uns cinqüenta metros da dita casa.

Devido às letras serem garranchadas eu ainda não conseguia lê-las plenamente. Teria que chegar bem mais perto, pois o dia ainda não tinha amanhecido plenamente e tudo estava nublado.

Minhas mãos permaneciam geladas e o ar de minha respiração saía em forma de fumaça, pois o frio daquela manhã invernosa era um dos mais rigorosos dos últimos anos e eu só tremia: não sei se, de emoção por matar a vontade, ou por culpa dos cinco graus centígrados que me envolvia. O certo é que eu começava a me sentir um verdadeiro idiota.

Lá na frente o meu ônibus corria barulhento e jogava na rua uma fumaça fétida e negra a se misturar com a névoa. A visibilidade estava comprometida e a umidade do ar provocava-me espirros.

Comecei a admitir que estava realizando uma imbecilidade.

– Até que enfim, hei-me! Aqui estou. – Falei pra mim mesmo enquanto me contentava com aquela inútil aventura.

E o meu emprego? Nem quero ver a cara do meu chefe! – Pensei.

Para melhor decifrar aqueles garranchos, por várias e várias vezes, a fio, eu li e reli soletrando e, por fim, balbuciei o seu contexto:

"AQUI VENDECE CACO AUVEJADO DE ASUCA VASIO"

– Que letra desgraçada! Quem foi o imbecil que escreveu esta barbaridade? Pelo jeito esta tranqueira nunca esteve numa escola. Tem nada não! Eu é que sou um grande idiota. Não quero comprar nenhuma porcaria de saco, nem cheio nem vazio e que vá tudo pros quinto dos infernos! – Mas… Que diabo estou fazer aqui no meio da rua a esta hora?

Convencido das burrices que acabara de realizar, me dirigi ao mais próximo ponto de ônibus e lá adentrei num.

Quase na metade da manhã dei-me de cara com o chefe, e mansamente cumprimentando-o disse-lhe:

– Bom-diiia seu Plínio!

Aquele, se não me engano, era o meu oitavo atraso do mês.

– Mau dia seu Juliano! – respondeu-me sério, entregando-me um pedacinho de papel no qual li a seguinte mensagem: “VOSSÊ ESTÁ DISPIDIDO. INTENDEU? VÁ PERCURÁ SEU DIREITO.”

Depois seu Plínio saiu resmungando:

– Tá tudo errado! Tá tudo errado!

Ao que lhe devolvi dezendo:

- A gente tem cada chefe!!!

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 12/02/2006
Reeditado em 03/09/2010
Código do texto: T110943
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