PAI NÃO ENTENDE NADA
Texto:
LUIZ Fernando Verissimo
Férias
Praia! - gritou a filha.
- Serra! - gritou o filho.
- Quintal - sugeriu o pai, pensando na crise.
A mulher tinha um sonho: fazer um cruzeiro num
transatlântico de luxo. Só uma vez na vida. Noites de luar no Caribe. Drinques coloridos à beira da piscina.
Lugares exóticos com nomes românticos.
- Galápagos...
- Barbados...
- Falidos...
- Fal... Como, Falidos?
- É o que nós ficaríamos depois de uma viagem
destas. Você sabe quanto custa?
- Você só pensa em dinheiro.
- Dinheiro, não. Cruzeiros.
- Praia, pai!
- Serra!
-praia!
Chegaram a um acordo. Praia e serra. Uma semana de cada uma. O cruzeiro no Caribe aguardaria a improvável circunstancia do papai morrer e a mamãe casar com 0 Chiquinho Scarpa. Tinham ouvido falar de um hotel novo numa praia ainda não desenvolvida. Preços promocionais. E a distancia, segundo o pai, que calculou as probabilidades de irem e voltarem de carro sem os combustíveis aumentarem no meio do caminho era razoável. Para a praia, portanto. Uma semana!
- Esta tudo no carro?
- Esta, Vilson, entra.
- Pomada contra queimadura?
- Está.
- Repelente contra inseto?
- Está.
- Quinino? Tabletes de sal? Ataduras? Rádio, para
Mantermos contato com a civilização?
- Vamos lá, pai!
- Antibióticos? Lança-chamas, contra um possível.
Ataque de formigas gigantes?
- Esta tudo no carro, Vilson. Deixa de bobagem e entra
- Arra.Não está tudo no carro.
Faltava a Agatha Christie. 0 pai voltou correndo
Para buscar a Agatha Christie. Cinco livros. Pelos seus cálculos, eles o manteriam longe do sol, da areia e da água fria por toda a semana.
- Você vai para a praia nua?
- Eu não estou nua, pai. Estou de biquíni. -vou ter que aceitar sua palavra...
- Garçom, sal.
-Ahn?
- Sal. Aquela coisa branca que parece açúcar. -Ah.
- Não e possível. Ele sabe o que e sal.
- Calma,Vilson. O hotel é novo. Ouvi dizer que
Eles estão aproveitando gente do local.
- Mas o sal já deve ter chegado aqui. Já ter ante¬na
Parabólica, e sal refinado e bem mais antigo.
- Ele ó não ouviu o que você disse Vilson. Olha, ai vem ele.
-Ah! Ai esta. Obrigado.
- Obrigado, moço
- Eu sabia...
- a que?
- Ele trouxe açúcar.
- Sabe que você, desse jeito, esta muito, mas mui¬to apetitosa?
-Ai!
- Que foi?
- Não me toca ai.
- Por quê?
- Queimadura. E por isso que eu vou dormir sem roupa.
- Eu não falei? Você devia fazer como eu. Eu nun¬ca me queimo.
- Claro que não se queima. Passa o dia inteiro den¬tro do hotel lendo a Agatha Christie
- Quando o tal general me deixa.
O velho chato. Só fala em doença. Sabe que eu já.
Sei mais sobre a vesícula dele do que sobre a minha?
E isso que eu convivo com a minha ha. Anos. Vem Ca, vem.
- Ai! Ai também não pode tocar.
Aqui. Aqui pode.
- Ai não me interessa
- Meu filho, eu quero que você pense numa coisa. Você sabe 0 que pode acontecer se você continuar indo tão longe no mar? Sabe?
- Sei pai. Posso morrer afogado.
- Não e só isso, meu filho. Se você morrer afoga¬do n6s vamos ter que interromper 0 veraneio. E 0 ho¬tel esta. Pago ate o fim da semana!
- Eu pedi peixe.
- a senhor pediu peixe.
- Exato. E isto não e peixe.
- E, sim senhor.
- Não, meu amigo. Isto e carne. é peixe
- é carne.
- Pai...
- o que?
- Pode ser peixe-boi.
- Vilson! Você levantou a Mao pro menino!
- Desculpe. E que eu dormi mal esta noite. Os mosquitos. E sonhei com a vesícula do general.
-Desculpe meu filho.
- o senhor quer trocar de prato?
- Não, não. Isto esta ótimo. Bife com molho de camarão. A gente deve experimentar tudo na vida. Tra¬ga o sal, por favor.
-Ahn?
- Esquece.
- Veja que coisa fascinante e o ciclo da vida. Os mosquitos nos comem, as lagartixas comem os mos¬quitos, e tenho certeza que cedo ou tarde servirão essa lagartixa no restaurante do hotel. Sem sal. o ciclo se completa. A vida segue o seu curso. É bonito isso. Che¬ga pra Ca. .
- Não. Eu ainda estou queimada.
- Então você, Agatha. Venha você. Assim. Oh, sim. Deixa eu abrir as suas paginas, deixa eu acariciar, len¬tamente, a sua lombada. Mmmm...
- Vilson...
- 0 que?
- E você fazendo cócegas no meu pé?
- Eu não sonharia em tocar em você, querido.
- AKH! E a lagartixa!
- Sabe, general, eu sempre achei que, se houver
Inferno, ele e um hotel de praia num dia de chuva.
- Como?
- o inferno. Deve ser um hotel de praia em dia de chuva.
- 1sso e porque você não sofre da vesícula.
- Eu ainda mato o general.
- Herodes foi um grande injustiçado da história. Devia-se fazer uma campanha para reabilitá-lo. Lim¬par o seu nome.
- Vilson, tenha paciência. Com essa chuva as criança tem que ficar dentro do hotel. Onde e que você vai?
- Me lembrei que estou aqui ha cinco dias e ainda
Não fui à praia.
- Mas esta chovendo!
- Certo. Se começar a parar eu volto correndo.
- Bingo!
- Papai! Você completou o cartão!
- Grande pai!
- Qualquer jogo que requeira capacidade intelectual e comigo mesmo. Desafio qualquer um neste hotel para um burro-em-pe ate a morte.
- Querido...
- Hum?
- Larga a Agatha.
- Você não está mais queimada?
- Estou, mas não me importo.
- Já vi tudo. E porque eu ganhei no bingo. Ha algo num vencedor que atrai as mulheres. Certo mag¬netismo ani...
- Vilson...
- 0 que?
- Cala a boca.
- Esta tudo no carro?
- Está Vilson. Entra.
- A.prancha? As conchas? Tudo? - Tudo, Vilson.
- A lagartixa?
- Vamos embora, pai!
- Ah, a serra! Vejam que beleza. Vocês acordarão cedo todas as manhas e farão grandes caminhadas e depois me contarão como foi se conseguirem me acor¬dar. Encheremos os pulmões de ar puro e ainda levaremos um pouco para casa, dentro de isopores. Este hotel me parece Born.
- Por que você escolheu logo esse?
- Gostei do nome. "Falso Bávaro", Pelo menos parece honesto.
- Vamos passear no mato. Vamos passear no mato! - Pensei que você fosse passar os dias no hotel,
Lendo.
- Vocês não vão acreditar.
- 0 que?
- 0 general também esta aqui! Vamos passear no mato.