A Mentirosa (Forrest Nena)

Sou mentirosa. Adepta dos falseios, adoro as mentirinhas brancas e inofensivas ou as grandes e cabeludas, gosto das pilhérias, das invencionices. Comer sardinha e arrotar tubarão...

Quando os fatos não têm a graça ou o glamour necessários, eu aumento. Às vezes, por pura maldade.

Como naquela vez em que, cansada da colega que vivia me aporrinhando por eu dizer que não queria ter filhos, a chamei num canto e, em voz pesada e triste, disse:

- Vou contar somente a você, porque você é minha amiga. Mas espero que não conte a ninguém. Na verdade, eu boto essa banca de que não quero ter filhos, porque não posso ter filhos. Eu e o marido já tentamos de tudo.

A cara dela derreteu como o relógio de Dali e ela esmerou-se nos pedidos sentidos de desculpas pelas brincadeiras e tal. Mesmo depois que desmenti a estória, ela nunca mais tocou no assunto.

Ou quando, num jogo de tênis, torneio, eu cheia de gana para avançar às finais, cheguei muito atrasada para rebater uma bola e acabei acertando a raquete no rosto.

Resultado: um belo olho roxo. Não houvesse tantas testemunhas na partida e o marido estava enrolado. Porém, sempre que alguém via o estrago e perguntava o que houve, adivinha em quem eu botava a culpa? Dizia que ele não havia suportado perder de novo para mim no Jogo de Batalha Naval.

E se a história é insossa, nada como dar-lhe um pouco de emoção e aventura... Um amassado no carro ou uma cicatriz surgidos de esbarrões ou cortes de papel não têm a menor graça. Preciso transformar aquela marca em troféu.

- Menina, nem te conto! Um cara tentou me roubar. Ele estava armado com uma faca e muito nervoso. Assustou-se e acabou me acertando. Eu me apavorei mais ainda, dei-lhe um joelhaço de desmontar o Analista de Bagé, bati com toda a força no pescoço dele... Ele caiu. O comparsa dele veio pra cima de mim, mas desmaiou quando viu a sangueira correndo do meu braço. Chamei a polícia e os dois estão presos. Saiu até no jornal, não viu, não?

Quando não sei o que está acontecendo, então, aí é que invento mesmo.

Se vejo um casal abraçado, tristemente, já digo que ele está indo embora e esta é a despedida. Ou que ela está querendo terminar. Um idoso sorridente e lá vou eu:

- Ah! É seu Isidoro!! Tá todo feliz com o netinho que nasceu ontem.

Uma mulher pensativa e sonhadora e já lhe vejo uma criança no ventre. Ou parecendo ansiosa, muito séria e compenetrada, dou-lhe uma carreira bem sucedida e cheia de estresse e competição.

Há um nome clínico para isso: mitomania.

O que me isenta da camisa de força, da internação e dos choques elétricos é que faço isso apenas para enriquecer as histórias, divertir os presentes, pregar umas peças.

Minhas lorotas duram apenas o átimo da gargalhada, do lampejo de dúvida.

Por exemplo, agora mesmo eu estava mentindo.

Aturei a colega que implicava com a minha vocação nulípara e, embora tenha mesmo pensado naquela vingancinha cruel, nunca passei do plano à ação.

Na questão do olho roxo, até brincava com os amigos mais íntimos sobre um possível ataque de fúria de minha cara-metade pois eles o conhecem bem, sabem que ele seria incapaz de agredir-me. Mesmo assim, desmentia logo em seguida, acusando a brincadeira. Não queria pegar a pecha de mulher de malandro, né? Inclusive, numa reunião de trabalho com várias pessoas estranhas, a primeira coisa que falei depois do "bom dia" foi a verdadeira razão para aquela máscara de panda.

Da cicatriz no braço... Ah! Sim! Ela existe. Fiz uma cirurgiazinha, besteirinha. Dois pontinhos, apenas. Só que, sendo uma área muito irrigada, apareceu um enorme hematoma. Os pontos, tirei sozinha no domingo e a mancha escura já se tornou esverdeada. Presumo que desapareça completamente nos próximos dias. Mas a história do assalto está agora eternizada neste texto.

Meu único sintoma incontestável de mitomania é o hábito de inventar estórias sobre os desconhecidos que encontro pelo caminho. O casal em crise, seu Isidoro, a futura mamãe ou a agitada executiva, o gari que passou no vestibular, a copeira que é trapezista à noite, a bailarina anoréxica...

Acho que todo mundo que escreve tem um pouco essa mania... Senão essa, outra parecida que lhe permita ver o mundo com os olhos da imaginação.

Chamo a isso de exercício de criatividade. Como o Forrest Gump do filme, é o que nos permite largar as pernas mecânicas que nos mantém atrelados à realidade e nos grita com desespero e energia:

"Corra, Forrest, corra!" Liberte-se! Crie! Escreva!!

Às vezes dá certo...