"O mundo é dos Belos"

Esta semana tomei uma decisão difícil. Voltar a uma academia de musculação depois de dois anos, esta vai ser a terceira vez. A primeira vez foi em 2000, eu tinha 14 anos e era gordinho. Quando se tem quatorze anos o corpo da gente é como um cartão de visitas, os mais bonitos são os mais fortes, estão livres das piadinhas dos colegas e são tratados como semi-Deuses. Quanto aos gordinhos, os narigudos, os quatro olhos, os tampinhas, os girafões e todos os outros “mutantes”, só resta baixar a cabeça e chorar as pitangas escondido.

Sei como é ser o gordinho. O gordinho é sempre aquele amigo engraçado, sempre de bom humor, piadista. Aquele que entrega cartas de amor. Aquele que você gosta de conversar, mas não serve para ser visto ao seu lado em uma festa.

Freqüentei a academia por seis meses aos quatorze anos, sentia-me completamente mal em um ambiente repleto de pessoas frias, interessadas apenas em músculos e bumbuns durinhos. Não fiz nenhuma amizade naquele período, me lembro apenas dos olhares de julgo apontados para mim. Esta foi a razão pela qual eu abandonei aquela utopia em tão pouco tempo.

Por sorte a puberdade chegou, fui crescendo cada vez mais rápido, e acabei deixando de ser gordinho. As coisas começaram a melhorar, as garotas começaram a se interessar por mim, e eu comecei a me sentir definitivamente uma pessoa “normal”.

Em 2006 eu estava tocando contra baixo em uma banda. Esta banda era patrocinada por uma academia, e cada integrante da banda recebeu sinal verde para malhar de graça. Eu não precisava mais perder peso, mas topei a idéia de fazer atividade física para o bem da minha saúde.

Lá estava eu mais uma vez no meio de homens entupidos de anabolizantes e senhoras de 40 anos usando roupas de meninas e agindo como adolescentes. Era horrível, por sorte desta vez eu contava com a companhia de um amigo da banda. É sempre mais fácil estar em território inimigo quando se tem alguém para conversar. A empreitada durou menos desta vez, acho que dois meses, eu estava na fase de odiar todas as pessoas que agiam como idiotas para provar coisas à sociedade.

E a minha vida continuou seguindo seu curso maravilhosamente bem, muitos amigos, vez ou outra uma garota a fim de beijar, festinhas e rodas de cerveja.

Mas eis que as roupas começam a ficar apertadas, e o número de foras começa a aumentar. Não me mortifico tanto como nos tempos de escola, mas sei na pele que aquela linda frase: “o que importa é a beleza interior”. Não passa de uma idealização, mais do que otimista, entre outras palavras, acho que quem disse isso nunca sentiu na carne a sensação de ser julgado pela aparência, assim como eu também acho que quem disse que o dinheiro não traz felicidade, foi algum bacana de sangue azul tentando conter a ambição dos pobres.

Ninguém se importa com o seu caráter, com a sua inteligência, com a sua polidez, enfim, com os seus valores. Ainda que reconheçam estas qualidades, será sempre depois de apresentado o cartão de visitas da estética. Não quero dar a impressão de estar generalizando as pessoas, acredito na possibilidade da existência de seres humanos interessados no conteúdo, mas convém dizer que estes são raríssimos, é como eu digo, foram distribuídos no mundo em doses homeopáticas. A verdade é que o patinho feio só se torna feliz depois que “vira” cisne, e os sapos precisam, antes de mais nada, tornarem-se príncipes para terminarem com as princesas.

Mas como não tenho fada madrinha, tomei coragem e vou pisar novamente os pés no ambiente insalubre de uma academia, já estou preparado para reencontrar os bad boys e as barbies. Vou tentar me manter o mais absorto o possível, pois sei que se eu observá-los demasiadamente vou acabar desistindo em duas semanas.

Já Morreu
Enviado por Já Morreu em 31/07/2008
Reeditado em 13/03/2011
Código do texto: T1106454
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