Amor À Primeira Vista
Quando menina, eu e meu pai fomos visitar uma colega dele, do Itamaraty que estava com viagem marcada para o exterior. Quando vi o aquário dela, apaixonei-me, não conseguia sair da área de serviço onde ele ficava, sobre um móvel quase da minha altura. Lembro como se fosse ontem, eu apoiada, as duas mãozinhas sobre o móvel, a cara grudada no vidro, observando guppies e neons, espadas e paulistinhas navegarem solenes entre a vegetação delicada. A um canto, uma casinha com um moinho que girava à passagem das bolhinhas do oxigenador.
Meu encantamento foi tão emocionante, que a senhora, às vésperas da viagem, deu-me o aquário, completo.
Instalado sobre a cômoda do meu quarto, ele era meu orgulho e alegria. Peguei todas as instruções com ela e mais algumas com um amigo, cujo pai era dono de um loja de aquários.
Meu sonho foi por água abaixo quando dedetizamos o apartamento. Os peixes todos morreram um a um. Acometida por uma forte conjuntivite, eu não sabia se chorava por eles ou pela inflamação, mas chorei muito.
Passado o efeito do veneno, recuperamos o aquário e tentamos fazê-lo funcionar. Os peixes morriam. Limpávamos, montávamos, colocávamos os peixes, alimentávamos os bichos, eles ficavam bem algum tempo, depois, começavam a morrer. Meus irmãos já chamavam o aquário de matadouro e corredor da morte. Desisti.
Depois que eu saí de casa, meu irmão mais novo resolveu recuperar o tanque. Pesquisou um pouco, descobriu os filtros de fundo e os peixes começaram a resistir. Porém, também ele se casou e, minha mãe, coitada, diante das exigências da doença do meu pai, não tinha condição de cuidar dos bichos, embora também gostasse do aquário e da sensação de umidade e paz que ele transmitia.
Ás vezes eu aproveitava o final de semana e desmontava todo o tanque, lavava tudo e remontava. Uma vez em que ia fazer isso, já passado algum tempo da última, a água parecia ter vindo direto do Paranoá, tão suja e lamacenta estava. Quando comecei a tirar as coisas, minha mãe avisou que havia um peixe ainda, lá dentro. Como seria possível, o pobrezinho sobreviver naquela lama?
- Ah! Às vezes ele nada rente ao vidro e eu consigo ver que ele está lá.
Era um japonês alaranjado e dei a ele o nome de Highlinder.
Foi só lavar tudo e remontar o aquário com água limpinha e novos peixes, adivinha quem bateu as botas?
Há alguns anos, minha mãe me deu um aquário globo. Arrumei, bonitinho. Mas, internet nas mãos, comecei a entender o funcionamento das coisas. Primeiro: a proporção de peixes e água. Os tipos de filtros necessários. Remédios, alimentos, testes, temperatura, hospital, compatibilidade entre espécies...
O aquário globo virou vaso e eu virei aquarista de verdade, amadora, na verdade, mas menos estagiária. Comprei um tanque retangular e passei a cuidar dos bichinhos como manda o figurino, ou melhor, como mandam os renomados aquaristas das listas de discussão e sites especializados no assunto.
Os peixes passaram a viver alguns anos, cresciam assustadoramente.
Quando construímos a casa, o projeto era fazer um jardim de inverno no vão sob as escadas. Passei a banda no arquiteto e fizemos um espelho d'água, quase dois mil litros. Ao soltarmos os peixinhos do aquário no novo espaço, acho que eles pensaram que tinham morrido e estavam no céu.
Todo mundo se encanta com o aquário. Quando os bebês de nossas visitas começam a ficar incomodados por estarem fora de casa e longe de seus brinquedos, é ao lado do tanque que seus pais os acalmam, mostrando-lhes os kinguios em seus balés multicores:
- Olha, bebê! Aquele preto grandão... parece o Batmam!
Até nossas cachorrinhas, ao ver os rabudinhos na farra, latem para eles, bebem água, tentando pegá-los. Uma vez a Diana conseguiu pescar um. Deve ter conseguido beliscá-lo quando ele veio à superfície a procura de comida e o jogou para fora. Cheguei a tempo de vê-la empurrando-o com o focinho, sem conseguir mordê-lo pois ele escorregava pelo piso de granito. Dei-lhe um susto, fazendo-a recuar e um tapa nele para que voltasse para a segurança do tanque. São e salvo. Está vivo até hoje. E bem.
Menos sorte teve o Adans. Ficou aleijadinho depois de uma violenta infecção por fungos. Tratei-o por mais de um mês em isolamento, até que, ao vê-lo alimentar-se, me convenci de que estava curado da doença. Porém, carrega seqüelas: ficou curvado. Permanece deitado no fundo, apoiado no lado côncavo e apenas a nadadeira do outro lado se move, fazendo-o nadar em espiral. Mas ele nada e se defende dos outros e das correntes provocadas pelos filtros, procurando e disputando o alimento. O danadinho é corajoso. Quem escolheu esse nome foi a Malu, amiga virtual, que o adotou em suas orações depois que soube da sua história de vida e superação. Ela ainda torce para que ele se recupere. Não acredito muito em milagres, mas, vendo as preces da amiga e a valentia do garoto, sou até capaz de crer que ele vai.