"O Ave Maria" ou "Uma Atrás da Outra..." =:Crônica autobiográfica com HUMOR=
Dedicada à minha mais recente sobrinha,
a Merô.
Sempre gostei de arrancar risadas. Acho que a qualquer hora e em qualquer lugar. A menos, é claro, que sejam ambos, hora e local, absolutamente inconvenientes. Aí eu fico calado e apenas observando a vida desenrolar-se. Muita coisa que vejo, ouço, observo ou fico sabendo, depois me serve de motivo para risos, piadas, crônicas, contos ou poesias. Creio que nasci e cresci desse jeito e, falando francamente, gosto dele, por imodesto que possa parecer.
Acho legal a gente gostar de arrancar risadas, provocar sorrisos, fazer alguém dar uma gostosa gargalhada, daquelas legítimas, escancaradas, dadas com a alma, e sei que poderia citar uma imensa quantidade de vezes em que fiz com que isso acontecesse. Uma lista tão grande que se tornaria monótona, por isso contarei apenas algumas das quais me lembro neste momento:
- Perto do imenso conjunto do Itaú, em São Paulo, havia um trailler de lanches ao qual eu nunca havia ido. Um dia fui e vi que a bela proprietária era simpática e atenciosa, mas seu olhar naquele momento era muito triste. Achei que ficaria linda sorrindo e esperei o momento certo. O momento que veio quando ela me perguntou sobre o café: “O senhor quer açúcar ou adoçante?” – “Açúcar, senhora. Adoçante engorda” – “Como assim? Adoçante engorda??”- “Engorda sim, moça. A gente só vê gordo usando isso...”. Rindo, ela ficou realmente linda. A primeira risada animou-me, fiz mais algumas brincadeiras rápidas e quando ia saindo ela me agradeceu dizendo: “Acho que foi Deus que o mandou, moço. Eu estava precisando tanto rir um pouco...Deus lhe pague.” . Fiquei até meio comovido ao saber que minha mania de fazer graça levara algum alívio a alguém;
- Nos meus dezessete anos, aluno da Escola de Belas Artes Guignard, em Belo Horizonte, viajei com mais ou menos uns quarenta colegas para o Rio de Janeiro em um ônibus fretado. A viagem começou em silêncio total até que uma colega gritou meu nome lá do fundo, bem alto, e eu respondi, imitando a voz do Adoniran Barbosa: “Fale baixo meu nome, moça, estou viajando incógnito.” Aguns segundos depois, quando a ficha caiu pra todo mundo e todos perceberam que o insignificante aqui estava “viajando incógnito”, as gargalhadas explodiram bem alto. Daí em diante foi só brincadeira, gozação, piadas, cantoria, o escambau;
- Ainda no primeiro ano de ginásio tive um professor gritador que todas as vezes que dava bronca na turma batia na mesa ao parar de falar e gritava um sonoro “Diabos!!!”. Quando a situação ficou feia com relação ao comportamento da turma toda, foi convocada uma reunião geral em nossa sala com a presença de todos os professores, bedéis, diretores, etc. Cada um falou um tanto, cada um deu sua bronca, deu seu recado e o último a falar foi o barulhento. Falou, falou, falou até cansar e parou de repente. Quando ele parou eu dei uma porrada na carteira e gritei bem alto “Diabos!!!”. Todo mundo riu de chorar. Inclusive o próprio. Acabei com a seriedade da reunião com uma única palavra;
- Ainda nesta boate, digo, neste colégio, tivemos um professor miudinho que ao falar parecia um regador de tanto que cuspia na gente. Pusemos logo o apelido de Professor Chuvisco e pegou de cara. Bravo feito ele só, apesar do tamanho de bolso, deu-me uma suspensão de vários dias porque abri o guarda-chuva enquanto ele falava comigo. Não tinha o menor senso de humor o duende...
- Piadista de público pequeno, por acanhamento, tive minha apoteose quando voltei da lua-de-mel de meu primeiro casamento e no dia seguinte houve uma reunião geral da Editora Corrente, da qual eu era vendedor da Enciclopédia Delta Larousse. Centenas de vendedores reunidos, muitos gerentes, os diretores e até a Presidência. Um dos gerentes passou a falar sobre as vendas fracas daquele mês de janeiro e ia enumerando os motivos: “A Fulana, nossa campeão, bateu o carro, ficou quinze dias no hospital e não pôde produzir nada. O Siclano, outro bom de vendas, teve sérios problemas de saúde e acabou o mês a zero. – alguns outros exemplos depois- chegou ao meu nome: “O Fernando, outro de nossos campeões de todos os meses, casou, viajou em lua-de-mel e assim foi uma atrás da outra...” . Claro que ele queria dizer que “foi uma razão atrás da outra”, mas lá do fundo eu disse apenas, em voz normal: “Uma atrás da outra...Graças a Deus...Sem parar...”. A acústica do salão era ótima e todo mundo ouviu. Não sei quanto tempo duraram as gargalhadas, mas sei que foi um tempão.
Anos depois, já trabalhando em outra empresa, o carro desse gerente parou ao lado do meu, ele me reconheceu e perguntou: “E aí, continua uma atrás da outra?”- Respondi com franqueza, rindo: “Graças a Deus...Sem parar...”. Naquele tempo era verdade.