Domínio de si mesmo
Estive visitando alguns ex-colegas de trabalho e me surpreendi ao perceber que todos me dirigiam uma única pergunta em comum, embora elaborada de forma diferente. Todos queriam saber se ainda escrevia a respeito de problemas que afetam o comportamento das pessoas. Obviamente que ninguém ficou surpreso quando afirmei que continuava escrevendo sobre o tema. A maioria dos meus textos são frutos da busca por autoconhecimento e das tentativas de aplicar os assuntos abordados ao meu crescimento pessoal. Continuo a escrevê-los, embora pareça trivial dizer isso, porque apesar de sermos únicos, o ritmo frenético de vida que levamos traz problemas comuns e as experiências individuais podem nos ajudar e, sobretudo, orientar outras pessoas que também necessitam. Para quem me acompanha semanalmente não há novidade nisso, muito menos, quando falo em autocontrole.
Sei muito bem, ao menos em teoria, que não existe uma fórmula para uma vida mais feliz, mas também tenho certeza que sem uma autodisciplina séria, não chegaremos lá. É claro que temos a liberdade de fazer as próprias escolhas, mas livre mesmo é quem conscientemente assume o dever de escolher para si mesmo a qualidade de vida que quer viver e o uso que quer dar a essa vida. É o autocontrole que dá a cada um de nós essa possibilidade de escolha, no entanto, não é verdadeiramente livre quem se sente isento de qualquer norma ou distante de qualquer disciplina. Basta ter a mínima orientação cristã para saber que a consciência aponta para uma liberdade limitada, alicerçada no autoconhecimento ético e nos valores perenes que vale a pena serem vividos.
As pessoas hoje se sentem limitadas por condicionamentos ocultos e não-ocultos, entre os quais, os primeiros são até mais numerosos que os segundos, que já não são poucos. São limitações que devem ser administradas cuidadosamente para que não afetem nossa espontaneidade e ânimo. São condições impostas para facilitar a vida em sociedade e que exigem um controle preciso para mantermos nossa “saúde mental” equilibrada. Digo isso, para que o autocontrole não seja visto como um atentado à liberdade ou alguma coisa que impeça a espontaneidade e a alegria. O que se sabe, é que as pessoas que tem se dedicado ao estudo do autocontrole e o praticam, sentem-se cada vez mais livres, autoconfiantes e independentes.
O autocontrole é uma técnica que amplia a liberdade individual, a qual pode ser compreendida nas palavras do filósofo dinamarquês Kierkegaard ao dizer: “a verdadeira liberdade existencial não é a liberdade de escolher isto ou aquilo, porém, a de escolher a si mesmo, a qualidade de vida que se quer viver e o uso que se quer fazer da vida”.
Limitações “impostas” pelo autocontrole, mesmo que inicialmente pareçam restritivas são libertadoras e isso se evidencia somente depois de algum tempo, quando a pessoa se abrir a uma integração mais harmoniosa. O que começa como uma “limitação” termina com a liberdade, em outras palavras, podemos afirmar que o autocontrole é libertador.
O autocontrole, como tudo o que diz respeito ao universo interior é conhecido mais pelos reflexos, sobre o comportamento do que a partir de seus efeitos íntimos. Não podemos ignorar que, para chegar à difícil meta do domínio de si mesmo é necessário um árduo trabalho que requer muita paciência. É impossível alcançá-lo da noite para o dia, pois são muitas etapas a serem percorridas. É preciso avançar em pequenos passos, começar pelos setores mais fáceis, como o de respeitar o pensamento dos outros ou acordar em um determinado horário. Quem não consegue acostumar-se a levantar na hora pré-estabelecida, dificilmente conseguirá organizar bem todo o seu dia. Somente o hábito e o exercício diário, podem nos levar a alcançar o controle interno. É através do domínio de nós mesmos que conseguiremos domar os impulsos ou expulsar os “diabos” internos que nos atormentam.
No entanto, um autocontrole que não seja equilibrado, isto é, que não tenha sido avaliado criteriosamente todas as dificuldades para obtê-lo, pode levar-nos a um sentimento de frustração que impede qualquer progresso. Precisamos aprender a nos adaptar rapidamente as circunstâncias, pois, muitas vezes, opor-se a determinadas circunstâncias é somente um sinal de estupidez, arrogância e falta de realismo. O autocontrole é libertador sempre que for lúcido e flexível, caso contrário, abre o caminho à neurose, trazendo enormes prejuízos.
As difíceis renúncias que o autocontrole exige, devem ser claramente motivadas e justificadas. A flexibilidade se faz necessária quando é preciso ajudar a quem se encontra em necessidade e em sofrimento, ou qualquer propósito de melhoria íntima. Se, somente se dá àquilo que se têm é certo nada melhor que aprender por meio do autocontrole a ser dono de si mesmo. Não sei quanto tempo isso leva, mas tenho certeza que cada dia nos proporciona as condições necessárias para este aprendizado. Temo não conseguir aproveitá-las plenamente, mas acredito que a distância é cada vez menor. Que a caminhada nos seja leve. Boa semana.