Elogio aos sete pecados capitais: a preguiça
Por ser valorada como contraproducente, ela é censurada pelo capitalismo; por ser considerada desvirtuosa, é condenada pelo cristianismo. E ainda consta na lista dos sete pecados capitais.
À força de muita injustiça, há cerca de, no mínimo, 1400 anos, a preguiça é muito mal-vista e mal-falada. Porém, quanto mais voltarmos ao tempo mais perceberemos que o preconceito em relação à preguiça aumenta, proporcionalmente, com a proliferação pouco subliminar da alienação.
Já na Grécia antiga, por volta de 2500 anos, os gregos já sabiam que trabalho emburrece e aliena. Ninguém trabalhava naquela época, o que permitiu Sócrates chegar àquela famosa conclusão, mais atual do que nunca: só sei que nada sei. Como aprendi com ele, já nem sei se sei se a frase é bem essa, mas o efeito é o mesmo. Para piorar a má fama, depois que os Estados Unidos, com consciência altamente puritana, se destacaram como primeira potência mundial, insuflando o resto do mundo ao trabalho como desculpa para enobrecer o caráter, o preconceito em relação à preguiça só aumentou.
A influência moralista do puritanismo é tão forte no Ocidente que antes de iniciar este texto minha impressão era de que o desejo de sombra e água fresca era sonho de quem trabalhava contrariado; contudo, pensando melhor, creio que até os workaholics sonham em relaxar na sombra de uma praia tomando água de coco. O que prova que somos muito bem treinados a abominar e a nos envergonhar da tão difamada, mas também inexorável, lassidão que, vez ou outra, nos amolece.
Como nem tudo está perdido, há uma lufada de esperança para elevar a estima desse pecado tão sedutor no inconsciente coletivo. A salvação contemporânea da preguiça é que os intelectuais - por eufemismo ou genuína manifestação de inteligência - se referem a ela como ócio. Como a palavra preguiça carrega conotação negativa há séculos, os intelectuais arrefecem o preconceito contra o termo valorizando a semântica. Todavia, por ser um pouco poética, a palavra ócio apenas embeleza o sentido de tudo; mas a preguiça, além de ser elogiada, necessita também de argumentação favorável - apenas como tentativa de exterminar o preconceito. Por conta disso, reforço minha defesa afirmando que preguiça é um estado de repouso necessário. Necessário em vários sentidos: enleva a espiritualidade, combate a alienação, aumenta a produtividade e nos torna mais humanos. A ver.
A História nos mostra que uma pessoa em estado de repouso pode tornar-se mais religiosa. Na Idade Média, quando os monges não tinham muito o que fazer, se enclausuravam e rezavam dias a fio. Que invejável desprendimento e entrega!
Para explicar o combate à alienação é necessário voltar ao pensador divisor de águas na filosofia. Se na época de Sócrates alguém trabalhasse, como teriam tempo para questionar e olhar tudo com estranhamento como o filósofo sugeria? Somente o repouso nos possibilita refletir sobre o cotidiano, a vida, a não-vida...
Outra vantagem da preguiça: ela é um condicionante propício a criatividade e produção. É preciso estar relaxado para fazer abstrações e associações cognitivas, etapas antecessoras à manifestação intelectual da criação. Prova disso são os artistas que precisam de tempo livre e corpo descansado para ter inspiração para compor, pintar e escrever; e também os pesquisadores que precisam ficar à toa para conseguir ter idéias e produzir suas teses e teorias.
A preguiça também pode ser ecológica. É verdade. Como a Organização Mundial da Saúde já advertiu que muito trabalho é prejudicial à saúde, não é à toa que há muitas campanhas incitando prática de exercícios físicos para melhora da qualidade de vida. Isso porque as exigências do mercado de trabalho não nos permitem relaxar; hoje, não paramos nem para escutar passarinhos. Nem sei se ainda há passarinhos. O sabido Sócrates (que não trabalhava), deve ter se tornado tão questionador de tanto olhar a natureza, que, se observada bem de perto, intriga mesmo.
Ainda há mais argumentos, mas creio que estes já foram suficientes para limpar um pouco a barra da injustiçada preguiça. Ao menos, a tentativa foi de esclarecer que a preguiça pode agradar a gregos, ecologistas, religiosos e capitalistas. Baixando o preconceito, a preguiça tem grandes chances de tornar-se uma das novas coqueluches pós-modernas. É a contracultura ideal para a paranóia cotidiana que endeusa a polivalência e incita a celeridade.