A CLANDESTINA

Senhora dona Ângela Rodrigues Gurgel, cidadã de Mossoró, do meu Estado : Rio Grande do Norte, por acaso a senhora conhece Tarcísio Gurgel, conterrâneo vosso e autor de “ Os de Macatuba”? Afinal, existe algo em comum entre os dois: sobrenome e inteligência. Pois minha senhora, foi em cima da obra do Tarcísio que escrevi a crônica que se segue e com ela também vos presto a minha homenagem.

A CLANDESTINA

Miami? Nem pensar; não tenho dólares pra gastar.

Alemanha? Nem morta; a nova safra de nazistas está fazendo fogueira com os estrangeiros.

Pasárgada? Por lá em nenhuma cama deitarei; não sou amiga do rei.

Macatuba, posso? Bom, aí depende do visto no passaporte, não sabe?

Não tem polícia atrás de mim, mas tô vexada. Que me perdoe o cônsul Tarcísio Gurgel , do seu visto declinarei e em Macatuba como clandestina entrarei, visse?

Norte, Sul, Leste, Oeste. Macatuba onde é que fica?

Se não tenho nem uma mula pra montar, como é que chego lá... Acho mesmo que tenho de pegar aquele bonde do seu Woden – isto se a cobra não me picar, o pântano não me tragar e a inquisição na me queimar.

Ufa, Cheguei! Cheguei...?

Encoberta pelas sombras da noite, em Macatuba entrei; à hora exata da chegada, lembro não, mas foi justamente no momento em que passava uma revoada de marrecas fazendo ti ti ti ti.

Ricardina já dormia.

Feliz a Ricardina, que depois de fazer amor tinha onde dormir. Eu não tinha não. Foi por isso, que fui velar por toda a noite ,o corpo de Netuno, que morreu porque estava vivo.

Sem se fazer de rogado o dia clareou, avistei a bodega do Ventinha e pra lá me dirigi. Não bebo zinebra, mas uma média quentinha com pão e manteiga caía bem. Pedi. E tive eu que explicar pro Ventinha o que vinha a ser uma média.

Bebi, comi, paguei.

Debaixo do olhar enviesado do Ventinha saí de sua bondega sem saber se a Feliciana tinha ao menos quinze anos e se fornicava ao mesmo tempo com Pilão e com Euzébio.

Caminhar por Macatuba é preciso, Não caminhava contra o vento, o sentia pelas costas; dei dois espirros, assoei o nariz com um lenço e mostrei meus documentos pro cabo Virgílio, isto porque caí na asneira ,feito uma lesada, de dirigir a palavra a três meliantes que estavam plantados na esquina: Arrudão, Isidoro e o Cleto. Só queria saber onde encontrar o bispo Ferreirinha. Pra quê, eu não sabia; não sou de tomar benção a padre, além do mais a minha saia era curta, a manga de minha blusa era cavada e usava sapato sem meia. Do jeito que me apresentava por certo o bispo Ferreirinha ia me achar a própria encarnação do capiroto –fêmea.

E nem precisava indagar. No final da rua, a praça da matriz. De lá vinha o som das vozes do coro feminino

“ O amoooooooor – o amoooooooor de Jesus...

O amooooooooor – o amooooooor de Jesus...

Macatuba não é só isso, é muito mais. Encantou-me conhecê-la .

“Vou voltar

Sei que ainda

Vou voltar”...

Mesmo por que quero saber com quem ficou a quartinha de florzinha que a Efigênia devolveu para o finado Lustosa...

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 30/07/2008
Reeditado em 30/07/2008
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