Paulo e Fernando
PAULO E FERNANDO
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 30.07.2008)
Paulo Coelho é uma unanimidade absoluta entre a intelectualidade brasileira: o que ele faz não é literatura, ele não é um escritor, no sentido de quem escreve ficção (Toda unanimidade é burra, alertava Nelson Rodrigues, ele também visto com reservas por muita gente, desde escritores estabelecidos a pais de família que, na zona, preocupavam-se demais que os textos daquele maldito jornalista chegassem às mãos, aos olhos e à cabeça de sua filhinha adorada, uma pura e casta donzela casadoira educada com muita dificuldade segundo os preceitos da Santa Madre e do catecismo mais conservador e reacionário possível).
Fernando Morais assegura que essa implicância da crítica e da "inteligência" é uma exclusividade nacional dedicada a um patrício, vez que, no resto do mundo, Paulo Coelho é aplaudido, respeitado e ouvido com atenção. Chegou a ser premiado pela Academia francesa, o protótipo que moldou desde as academias de letras nacionais até as paroquiais.
Paulo Coelho é uma unanimidade absoluta entre seus leitores brasileiros, público cativo e entusiasta que já respira ofegante à espera do seu novo livro, que sai em mais duas ou três semanas (Toda unanimidade é burra, repetia Nelson Rodrigues, ele próprio adorado pelo seu teatro contundente e demolidor, pelo desmascaramento impiedoso da pobre - intelectualmente falando - mas o que foi que mudou mesmo, desde então? - classe média arraigada às suas tradições, temerosa do comunismo que viria tirar de nós, e dividir com o povo, o pouco que conseguimos juntar com muito suor, trabalho e tempo, mas, ainda assim, rotulado, o Nelson, como uma desprezível figura reacionária, como um tarado em estado puro).
Fernando Morais confirma o que já estamos cansados de saber: Paulo Coelho é um sucesso estrondoso em todo o mundo. Vender 200 milhões de livros não é tarefa para nenhum escritor europeu, não é tarefa para qualquer autor estadunidense, mesmo que consagrado por filmes de Hollywood, os quais, com um "marketing" brutal (e eficiente), levam atrás de si tudo o que se queira vender, desde que associado ao "produto" principal, a começar pelo livro que o inspirou. E, neste aspecto, convém lembrar que ainda nem começaram a aparecer os filmes baseados na obra de Paulo Coelho...
A grande medida do sucesso comercial e de público de qualquer produto, cultural ou não, é, em primeiro lugar, a existência de cópias piratas nas esquinas do mundo; em segundo lugar, o volume dessa pirataria. Fernando Morais sustenta que, apenas no Egito, já foram vendidos 400 mil exemplares clandestinos de livros de Paulo Coelho. Quatrocentos mil piratas fazem a inveja de qualquer astro de "rock".
Fernando Morais, além de jornalista investigativo, é um escritor de estilo apurado. Recentemente publicou uma longa reportagem biográfica intitulada "O Mago". O personagem da obra é ninguém menos que Paulo Coelho, a quem muito se acusa de contratar hábeis tradutores para verter sua obra, melhorando-a substancialmente, para línguas estrangeiras, o que lhe granjearia fama e sucesso no exterior. Morais contrapõe que, se assim fosse, o que impediria que outros autores contratassem os mesmos profissionais? Na verdade, talvez seja útil e esclarecedor ao debate proceder-se a um acurado estudo para determinar o grau de adesão das traduções aos textos originais em português de Coelho.
O que parece indiscutível, seriamente falando, é que Paulo Coelho converteu-se em um excelente personagem - possivelmente bem superior à sua obra escrita.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas)