Que ódio de ser assim... (Maria Mal-Amada)
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Existem muitos textos sobre o que as pessoas odeiam e eu não poderia deixar de me manifestar a esse respeito nem se quisesse. Eu sinto, você sente, e todas as pessoas do verbo também sentem. Ódio. Não tenho o menor problema em assumir isso e confesso que me faz muito bem dizer com todas as letras e na perfeita entonação que a palavra merece.
Sinto ódio daquelas mulheres gordas que não possuem nenhum pingo de bom-senso ao saírem na rua com uma calça de lycra branca e uma blusa justíssima. Ódio de quem não tem bom-senso para quase nada na vida.
Odeio o casalzinho brega da periferia intelectual que resolve se casar e escolhe clássicos da música que nunca ouviram falar, só porque escutaram a banda chique do casamento da prima rica tocar enquanto a noiva entrava na igreja abarrotada de gente curiosa.
A noivinha desinformada escolhe Perhaps Love sem ao menos gostar da melodia. É claro que ela não sabe o que o título significa e nem consegue pronunciá-lo direito, mas a prima rica usou exatamente essa música, então ela vai usar. Por favor, Perhaps Love merece um pouco mais de consideração, é um clássico!
Seguindo esse tópico que chega a me dar calafrios, odeio velhotas encalhadas que se metem no meio das meninas solteiras na infeliz tentativa de pegar o buquê. Elas adoram aparecer... Odeio gente aparecida. Será que você não se enxerga não! Está ridícula nesse vestido vermelho-sangue super justo que marca todas as suas dobras. Vai procurar um velhote no forró da esquina e deixe o buquê em paz!
Aliás, eu odeio com todo o meu mau-humor aquela senhorinha maquiada e com cara de perua velha que, voltando do forró da esquina, entra no ônibus lotado fazendo cara de coitadinha pra conseguir um lugar. Ela passou a tarde inteira se esfregando num setentão com pose de galã mexicano e agora quer o lugar de quem trabalhou durante todo o dia. Não odeio o forró, e muito menos quem vai se divertir nesses lugares, mas odeio quem se vale da idade avançada pra se dar bem.
Odeio quem repara no prato de comida dos outros e faz comentários do tipo “nossa, mas você naum comeu nada! Num vai repetir não?”. Cada um sabe o quanto de comida cabe dentro de si, e ninguém precisa ficar justificando o porquê de estar comendo muito ou pouco.
O pior é que os comentários são feitos repetidamente em intervalos de segundos. "Come mais. Come! Põe mais um pouquinho pra você. Porque você não quer? Ah não, mas então você não gostou da minha comida”. Senhor dê-me paciência...
Sinto ódio de quem limpa a boca suja de comida na toalha da mesa e acha graça da própria falta de educação. Quem fala errado por que quer, pronunciando palavras simples de uma forma tão tosca que eu chego a sentir raiva por ter uma audição perfeita.
Ódio. Muito ódio do estúpido indivíduo que ganha 1 salário mínimo por mês e compra um celular de R$ 1.000,00 parcelado em 24 vezes no carnê das Casas Bahia. Os juros quase duplicam o valor do aparelho e o estrupício não tem dinheiro nem pra comprar créditos, mas coloca o telefone no bolso de trás da calça jeans só pra fazer um volume e se exibir por aí.
Tenho ódio daquelas meninas que ficam plantadas na pista da boate a noite inteira balançando a cabeça de um lado pro outro enquanto o resto do corpo se mantêm totalmente rígido. Bumbum empinado, peitinho levantando pelo aro do sutiã de bolhas e uma cara de quem vai beijar o primeiro boca-mole que disser oi.
Ódio do revolucionáriozinho de quinta categoria que enche a parede do quarto com fotos do Che e cartazes do PT e nunca faz nada pelo próximo. Tá esperando o que seu bosta? Uma revolução armada? Enquanto o tempo passa você fica aí, achando que tudo não passa de uma conspiração do Governo pra ferrar com a sua vida.
Odeio religiosos fanáticos que se acham no direito de roubar o sossego das pessoas com tentativas estúpidas de doutrinação forçada. Cada um tem o direito de acreditar no que quiser, por que no final das contas, todos nós somos filhos de Deus, até mesmo aqueles que não mereciam ser. Quem você pensa que é pra se achar melhor do que eu hein? Odeio todo tipo de extremismo, fanatismo e preconceito.
Varizes, coxas flácidas e cabelo fritado de tanto passar ferro quente. Se você não tem dinheiro para retocar as mechas loiras sempre que o bom-senso lhe pedir, não pinte o cabelo. Ódio de mechas loiras em cabelos pretos com um palmo de diferença da raiz. Que coisa horrível.
Odeio homem que se faz de difícil porque se acha muito gostoso. Coloca uma baby-look dois tamanhos menor e vai pra balada achando que pode muito. Isso é direito adquirido das poucas mulheres que ainda sabem se dar ao valor. Vai passar mais gel nesse cabelo e procurar o colo da mamãe vai!
Se você vai a uma festa de aniversário de mãos vazias, por favor, não diga que depois leva uma lembrancinha. Um ódio mortal das lembrancinhas que nunca chegam e da velha frase: "Não repare no meu presente naum, porque é só uma lembrancinha". De todas as coisas que podem me causar náuseas em festas de aniversário a lembrancinha é a pior delas.
Ódio da vendedora de loja cara que se acha no direito de escolher quais clientes tratar com educação. Porque será que a coitada não enxerga a própria situação em que se encontra? Hei! É com você mesmo que estou falando. Você que trabalha dez horas seguidas numa loja de shoping dobrando e desdobrando, subindo e descendo caixas de sapato do estoque, você que ganha por comissão e ainda sim se acha melhor do que o desavisado que entra na loja com chinelos e bermuda desbotada. Não se engane sua bobinha, você precisa de clientes. Qualquer cliente que possa contribuir para que a sua comissão fique mais pomposa no final do mês.
Ódio de transporte coletivo. Ódio da criatura que coloca uma calça jeans com cintura incrivelmente baixa e vai andar de moto. Ódio de unhas encravadas pintadas com esmalte vermelho, pircing no umbigo de uma barriga gigantesca e super flácida. Ódio de quem faz da moda um modismo pobre, exagerado e ridículo. Nem todo mundo pode ter o mesmo corte de cabelo da mocinha da novela das 8.
Ódio de sentir ódio. Ódio por não me sentir mais leve depois desse desabafo. Se pudesse escolher, preferiria ser mais fácil de lidar, menos neurótica e chatinha, mas não consigo evitar.
Que ódio de ser assim...
Maria