A ORADORA
A ORADORA
Hoje volto àquele remoto e trágico 7 de setembro, não tão remoto quanto o de 1822 com D. Pedro I , cavalos , espadas e gritos, mas ao do meu de adolescente tímida do Colégio de freiras da minha terra.
O páteo do Grupo Escolar estava repleto. Alunos do Ginásio Municipal – alunas do nosso colégio, impecavelmente uniformizadas, (ai que delícia quando uns e outros se encontravam!...) alunos do Grupo Escolar, autoridades, o vigário Padre Mário, convidados, meus senhores, minhas senhoras e muita gente mais...
É que naquele tempo, embora pareça estória, a gente falava e ouvia falar em patriotismo, liberdade, independência, e gostava até de comemorar com entusiasmo e vibração a dita cuja, coisas que, com a ditadura dos últimos tempos, a gente andava até esquecendo...Arre!...
Pois é, naquele dia o sol da Independência queimava a gente com todo seu esplendor no início da tarde de feriado e festa.
Tomei lugar à mesa das solenidades meio sem graça, mas importantíssima como “representante do Colégio”, já quase formanda, mas como sempre muito tímida no meu uniforme de gala. Bem, não era eu sempre a boazinha, a mais bem comportada, a “nom plus ultra“ do Colégio? A indicação fora feita pela Madre Superiora (as freiras só participavam de festividades internas quando realizadas no próprio Colégio).
O Reitor do Ginásio, orador inigualável, transportou-nos vibrantes e suados às margens plácidas do Ipiranga. Eu acompanhava com entusiasmo e vibração o “grito“ de D. Pedro I , tal a fluência do orador. Quase bati palmas para D. Pedro e ensaiei gritar:
- LINDO ! Não gritei porque não gritava mesmo, além do mais, ainda não fora instituída a legião de macacas de auditório...
Diversos outros oradores discorreram sobre o evento e eu ali firme e empolgada de patriotismo na minha condição e importância... De repente, ouço o presidente da mesa anunciar, entre aplausos e aclamações dos “gatões” do ginásio
- Com palavra a representante do Colégio X , Srta. Maria das Dores da Silva!...
- das Dores?... eu?!!!...
Não caí, pois estava sentada – eu a nobre representante do Colégio (X) !!!... – Mãe do Céu!... Valei-me Nossa Senhora!
(Sempre tive certa dificuldade, pânico mesmo de falar em público e agora, de surpresa e de improviso !!! ... Fico inibida e a voz pára na garganta.)
- Você não é a melhor aluna de português da Irmã Genoveva? Levanta, levanta e fala alguma coisa – dizia eu àquela adolescente trêmula e medrosa que, infelizmente era eu mesma...
Segui minha intuição e, sob expectativa geral, surpreendi-me a dizer:
- Exmo Sr.Prefeito, exmo. todo mundo que estava ali, representantes disso, representantes daquilo...( respirei fundo)... Orgulhosamente represento aqui o Colégio (x) para reverenciar esta data magna tão bem exaltada pelos oradores precedentes... (nunca fui muito boa aluna de História do Brasil...) Solidário o Colégio ...(x)... Pronto!... aí deu o branco total. O olhar se perdera sobre aquele mundaréu de gente que eu fixara e perdi o fio da meada...
Parei estarrecida, não me lembrava de mais nada, e aquele vazio, e aquele branco, e a voz que sumira, e as pernas bambeando, quando ouvi, por traz de mim a dica salvadora do Reitor que se apiedara do meu embaraço:
- E agora termino com um grande VIVA AO BRASIL!...
Agarrei-me à dica como quem se apega a uma taboa de salvação e, com voz débil, insegura e sussurrante, consegui balbuciar, sem entusiasmo ou convicção, mas extremamente aliviada:
viva o brasil... ( mas o som não saiu...)
(Extraído do meu livro CANTATA EM TOM MAIOR)
LINANDRE