À mesmice de alguns dias
"A gente tem que se dar um pouco mais."
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E fiquei a pensar se era suficiente estar onde estava, fazer o que fazia, falar o que sempre falava. E sempre vinha aquela queixa "será isso suficiente"?
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Ana estava acostumada a sua rotina. Era fácil de adivinhar o que fazia a depender do dia da semana e do horário.
Morava sozinha numa quitinete a poucos quarteirões da praia. Os prédios ao redor do seu não permitiam que visse sequer um restinho de horizonte. Por um lado era bom, pois o salitre não corroia tão rápido os metais da casa.
Eram 4 horas da matina. Mal tocava o despertador e ela já estava de olhos abertos. Levantava-se e, ainda sonolenta, calçava as pantufas que deixava em cima do tapete ao lado da cama; ia até a cozinha, ligava a cafeteira e programava a sanduicheira. Voltava pro quarto, arrumava a cama, desligava o rádio relógio. Ia tomar banho.
Saia do banho, ia para a cozinha ainda de toalha, pegava a maior caneca que estivesse no armário, enchia com café até a metade, colocava um dedo de leite frio, um pouco de açúcar e uma colher de achocolatado. Desligava o som enquanto bebericava o "capuccino". Pousava a caneca sob o criado-mudo, abria o guarda-roupa e procurava um terninho... olhava, olhava e sempre pegava o mesmo: um terninho vinho, muito bem cortado que possuía um modelo clássico de saia.
Tirava as alianças [lembrança de casamento dos pais], vestia a calcinha [daquelas altas], a meia calça [aquelas com uma linha na parte de trás da perna], o sutiã e bebericava um pouco mais do capuccino. [colocava as alianças]
Voltava na cozinha, comia 3 ou quatro bolachas de água e sal e o sanduiche; bebericava um pouco mais do café.
Voltava para o banheiro, escovava os dentes; só então vestia a blusa branca, a saia do terninho e calçava seu [i]scarpan[/i] vermelho envernizado. Penteava-se prendendo os longos cabelos negros num coque pouco acima da nuca, colocando uma redinha com um laço.
Maquiava-se: base, pó facil, sombra, lápis, máscara para cílios, delineador de olhos, blush, pó compacto... bebericava o ultimo gole do capuccino... lápis labial, batom, gloss.
Pegava o blazer em cima da cama. Já estava quase atrasada. A bolsa, a carteira, o dinheiro do taxi, o passaporte, as chaves, os óculos de leitura, os óculos de sol, o lenço que usaria no pescoço. As malas de rodinhas já estavam prontas, a necessaire de mão tinha trazido consigo do banheiro. Desligava os eletrodomésticos [menos a geladeira]. Só voltaria dali a dois meses [ou mais]. Pegava o crachá. [Ana Valéria Albuquerque, estava escrito]
Terminara sua folga do trabalho. Agora iria para onde a companhia aérea a enviasse. Seria seu primeiro dia com uma nova equipe.
Ana era comissária de bordo.