Desabrochar Dói
Observava uma planta que geralmente é conhecida como "Coroa-de-Cristo", ou "Cerca-Viva".
Percebi que os galhos cortados crescem de dentro para fora; vão se "desavessando", como diria minha bisavó, me ensinando os pontos de crochê. Primeiro espinhos, que se abrem em torno do caule. Do meio deles, as folhas, e mais um pedacinho de caule. Depois as flores, e então, tudo de novo. Na verdade, desabrocha, assim como dizem que é com as mulheres.
Foi aí que me surgiu a dúvida. Será que o desabrochar de uma "Coroa-de-Cristo" dói tanto quanto o de uma mulher?
Parece, às vezes, que o ciclo das dores é infinito.
Na infância, quem leva os famosos "bicos" nas canelas, obrigadas pelo incompreensivo professor de Educação Física que acha que o futebol é a linguagem universal, o sumo dos esportes, o milagre da criação divina; são fatalmente as meninas.
Na puberdade...dores até nos ossos. Conforme nossa estatura muda, pêlos crescem, seios se desenvolvem e os hormônios "ferbulham", estas são imensas. E aquela, que parece que vai rasgar nosso ventre ao meio, ainda por cima num sangramento mensal, indesejável, mas necessário à continuação da espécie? É assim que a natureza nos consola. É através da dor física e da dor do abandono de nossas bonecas que podemos dar o dom da vida...é um tanto antagônico.
Se para descobrir os prazeres do sexo também sentimos dores,não sabemos dizer o que é pior. A dor de ser deflorada ou a dor de ter ao nosso lado uma criatura voraz, que não entende nossa angústia e medos. Está certo, nem todos os homens são assim, mas a maioria.
A maternidade é uma dor eterna. Nosso corpo é deformado, e para ganhar espaço neste mundo cão, um filho desloca nossa bacia de lugar. Quando cresce, para ganhar mais espaço ainda, muitas vezes foge, magoa, e é aí que lembramos que antes de mães, fomos filhas... e é mais complicada ainda a dor de ver que às vezes é tarde demais para receber um perdão pela nossas falhas vindo da própria mãe, mesmo ela estando viva e em pleno gozo de sua saúde. E mesmo sabendo de tudo isto, sentindo a dor constante de nunca mais dormir durante uma noite inteira, dedicamos um amor incondicional a estas criaturinhas.
Profissionalmente, o que dói mais? Saber que se é menos bem sucedida que um homem e depender dele até mesmo para comprar um batom, ou perceber que se é mais sucedida que o mesmo e ouvir todos os dias que o humilha e esnoba, quando na verdade esta não é sua intenção?
O espelho talvez cause dores lancinantes. Não... não estou falando de aparência. Este é um segredo milenar. Os olhos são a janela da alma, e toda a vez que uma mulher se olha no espelho, se depara com seus olhos. É alí que estão todos os anseios, todas as decepções, toda a índole, todos os desejos, e é neles que se espelham todas as coisas que fizemos ou deixamos de fazer, contra ou a favor da nossa vontade. Por isso nunca estamos satisfeitas com nossos espelhos. Eles apenas refletem o que realmente somos.
Murchar também dói. Pergunte a qualquer mulher madura se ao entrar na menopausa, ela não sentiu-se seca por dentro. Se é agradável sentir ora calor, ora frio. Se enfrentar uma hemorragia seguida de anemia é agradável. Nem todas são assim, mas a grande maioria.
Amar dói, não amar quem a ama dói, e do contrario também; separações doem, frustrações doem, adiar planos em prol dos outros também. Porém, estas dores não são privilégio feminino. Qualquer um sente, em qualquer idade, com qualquer sexo.
Às vezes acredito que ser mulher é uma missão. Tem gente que diz que é dom. José Saramago, em "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" fala algo sobre as mulheres chorarem por qualquer coisa por terem se acostumado com as dores e desencantos da vida, porém, as piores lágrimas eram as que estavam por dentro, não nos olhos; algo assim.
As dores vem e vão assim como os galhos e podas da planta que observei. Estamos desabrochando todos os dias, a toda a hora. E desabrochar, pelo menos do meu ponto de vista, definitivamente, dói.