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ESTA CRÔNICA É UMA  SINGELA HOMENAGEM  AO FALECIDO ANARQUISTA  ESCRITOR E TERAPEUTA  ROBERTO FREIRE.


 

 

AMEI E DEI VEXAME - UMA QUASE AMANTE DE ROBERTO FREIRE
 
Passei o dia na companhia de Roberto Freire. Depois de tantos anos sem consultá-lo, tomei coragem e me rendi a ele. Ele estava lá, esperando por mim na minha estante, me amando mais do que nunca. Na verdade, nós temos um caso desde mil novecentos e oitenta e sete. E hoje, eu necessitava   muito desse amor.
 
Já perdi as contas de quantas vezes fui sua amante, mas acabei por esquecê-lo e também o seu endereço. Entretanto, eu estava angustiada e como a angustia me causa sofrimento e dor, corri para ele para falar do amor.
 
Não foi fácil o nosso diálogo. A começar pelo título “Ame e dê Vexame”. Eu sempre me esqueço que já na sua primeira página, ele coloca o dedo no meu nariz e me diz uma frase de Luis Fernando Veríssimo “mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo”. E como quando me sinto ridícula tenho vergonha, o açoite é certeiro. Passado esse primeiro constrangimento, ele insiste para que eu repita: “Eu te amo de amor”.  Tento resistir. Fico muda. Fico brava. Finjo-me de surda. Mas ele fala mais alto, me provoca e acaba me convencendo a repetir uma, duas, três, nem sei quantas vezes até que eu seja completamente seduzida a me dispa a alma entregando-me ao encanto dessas palavras e transformando-as em sentimentos.
 
A partir daí, ele me diz que esse amor em mim impregnado,  não é um libertário, é um amor de posse. Ele me diz isso com todas as letras,soletrando uma a uma.  Eu revido. Ele não se dá por vencido e me desafia a analisar o amor habitante em mim. Eu enraiveço. Mas me descubro. Descubro que ele tem razão.  E me auto-analisando deparo com meu anarquismo interior sobrevivente.
 
E eu grito para ele, em alto e bom tom:
 
- Não quero um amor falsificado. Quero um amor original. Não quero entendê-lo apenas senti-lo. Não quero os seus significados, apenas a sua sedução. Quero o amor na forma bruta, sem nenhuma lapidação. Quero o encantamento, sem bloqueios, sem medos e único para cada situação. Quero o amor essencial, vital, liberto para poder voar. Quero o amor singular, plural, inteiro e complementar que não me deixe sozinha. Quero o amor transformador e profundo. Não quero um amor anestesiado, morno, cheio de vícios. Não quero um amor de engano, invasor, capaz de trair sem consentimento. Quero um amor espontâneo, original, único, urgente, individual. Não quero um amor de invasão, escasso, despido de pureza. Não quero um amor domesticado. Quero um amor visceral, sem posse, lúcido, lúdico, criativo. Quero um amor de conflitos, alegre, sentido, sem teses e garantias, com tremas, reticências e até ponto final. Quero um amor de verdade, natural, que me faça sentir vida.
 
Depois desse meu grito, ele me fita bem nos olhos e com um sorriso no rosto me diz:
 
-agora que você me entendeu, quer ser minha amante?
 
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