Vendo-se Moto
Todos nós já recebemos e-mails engraçados com o assunto “pracas do Brazíu”. Ou, ainda pior, vez por outra nos deparamos com elas em viagens, no borracheiro ou na lanchonete da esquina de nossas casas.
Algumas são verdadeiras pérolas do humor e do mau-humor de seus autores: “vende-se este lote e outros melhores que este”, “precisa-se de clientes”, “entrada e saída de veículos de proporções humanas” (num portão para pedestres), “é favor não parar no portão (vá parar na PQP)”, “acredita em vida após a morte? Toque na minha moto e vai conferir pessoalmente”...
Outras, apresentam erros grosseiros de português ou dos estrangeirismos. Não dá mesmo para conter o riso diante de maravilhas como “vendis côco jelado”, “fonodióloga”, “estufamo todo tipo de bancos de via tura ikadeira”, “Salão Unissex Coyfréz”, “lã rouse”... Cômicas, não fossem trágicas, essas são provas contundentes de que existe um País paralelo de gente que faz, ainda que faça errado. São pessoas que precisam se comunicar e, de uma forma ou de outra conseguem fazê-lo. Mas isso não é novidade. Meu pai, quando eu ainda era criança contava uma piadinha sobre um professor de português que, andando por uma rua, percebe que todos os nomes das lojas têm algum erro de grafia. A única exceção é o armarinho Águia de Ouro. Aliviado, ele vai cumprimentar o dono do estabelecimento que comemora, orgulhoso:
- Viva o Agúia de Ouro!!!
E não é apenas em faixas, placas e cartazes que se assassina a gramática, como dizia o Paralamas do Sucesso. Veículos respeitados de comunicação escrita ou grandes agências de publicidade às vezes também nos brindam com errinhos, aqui ou ali. Isso quando não são erros crassos, desses que nos arrepiam até a espinha como se a morte por aqui houvesse passado. Nós, pretensos escritores, cometemos algumas barbaridades na ânsia de produzir os textos que publicaremos em breve.
Se na língua escrita, a ocorrência de erros é freqüente, na falada, então... Minha secretária respondia ao “Quem é?” do interfone com um “É ieu...” que me dava ganas de ir abrir a porta lá embaixo pessoalmente e dar-lhe umas gramaticadas na cabeça, não fosse ela uma senhora semi-analfabeta tão querida. O falar errado não é exclusividade de pessoas com baixo nível de instrução. Conheci alguns engenheiros e até advogados que se expressavam como trogloditas e, numa de nossas viagens, fomos guiados por um peão de boiadeiro que falava como um fã assíduo de Machado de Assis.
Suas origens influenciam muito. Alguns estados brasileiros são famosos pela qualidade da língua falada lá, pelo modo como se deu sua colonização. Já em outros, torna-se difícil crer que alguém, algum dia, tenha ouvido falar em Aurélio Buarque de Holanda.
Para complicar, existem os dialetos e gírias. Não vou falar dos vocabulários dos freqüentadores de chats ou usuários típicos dos torpedos de celulares. Aquelas sopas de letrinhas têm uma razão de ser, embora eu nunca tenha conseguido entender em quê um “miguxinho” é mais prático do que um “amigo”, mas não vou mesmo entrar nessa seara.
A Revista Veja, em 2006, reportou a existência de 200 línguas ativas no Brasil, situação que o coloca no 10º lugar do ranking mundial de diversidade linguística. 188 delas são de origem indígena e 12, estrangeira. Na época do descobrimento, 1078 eram as línguas ativas por aqui. Obrigados à convivência com o homem branco, os indígenas que não foram exterminados, acabaram fundindo suas línguas e culturas à nossa. O resultado, foi um enriquecimento do Português com expressões de origem indígena e, em algumas regiões, a existência de uma língua ligeiramente diferente.
Os estrangeirismos vieram complicar ainda mais essa Babel e, tornando-se sinônimo de modernidade e profissionalismo, ganharam as ruas e os discursos. Em minha área de atuação, convivo com pessoas que são incapazes de proferir dez palavras sem ao menos duas em inglês. Perguntados sobre o porquê desse hábito, dizem não existir palavras em português com o mesmo efeito. Pode ser. “Deliverables” ou “Stackeholders” têm mais significado para um Gerente de Projetos do que “Entregáveis” ou “Interessados”, mas entendo que o peso da palavra vem muito mais da forma como ela é empregada do que da forma como ela nasceu. Começassem a usá-las e logo elas adquiririam o significado desejado.
Não estou protestando. Entendo a língua como um organismo vivo e sujeito às influências de seu meio. Quando eu estava na faculdade Dulcina, apresentamos um trabalho interessante, que versava sobre essas características que se formam através dos tempos. Depois de um pequeno diálogo, interpretávamos a música “Língua”, de Caetano Veloso, em que ele apresenta alguns neologismos. Ficou um trabalho divertido, mas bem aquém do que vemos hoje em processo, quando se discute a reforma da língua.
Tenho tratado tais notícias como piada, mas... confesso-me temerosa.
Enfim, para que este meu texto não acabe assim, tão sério e preocupado, seguem algumas belezuras de nossa língua, captadas em breves passeios pelas ruas da capital:
- Cincalicate é déiz! Cincalicate é déiz!
- Vale-tique, vale tique!
- Véi! Eu tava pedalando, véi, no bagaço, véi, aí chegou o vééééééi, véi! Carái, véi! Quase que eu pego o véééééi, véi.
Então? Entendeu? É tipo assim! Fala sério!!
Imagem daqui.