O RISO CALADO
Uma comediante que marcou época na história do humor brasileiro se despediu dos seres vivos neste nosso País de imensos contrantes, ondes as pessoas necessitam de muito riso para poder suportar todas as dificuldades que o cotidiano reserva para todos aqueles que lutam por seus espaços no mundo social e muitos tantos que peleiam pela própria sobrevivência.
Nossa homorista centenária se foi depois de cumprir sua missão. Rompeu as barreira da hipocrisia quando venceu com os tabus da linguagem, através dos inúmeros palavrões que pronunciou nos meios de comunição e no teatro Tupiniquim. Dercy Gonçalves deixou a sensação que o riso semeado durante longas décadas por suas apresentações sui-generis, fez do mundo um sorriso aberto e que as tristezas podem ser superadas pelo dinamismo de uma boa piada, de um bom presságio, transmitido com irreverência e com denodo, a ponto da leniência de uma hora triste se alinhe a uma esperança e a um futuro menos rigoso.
Ocorre que nossa atriz centenária deixou um legado de um humor que exige mestria e dinamismo através de anedotas simples, mas que se ajustam à vida das pessoas, através das gafes ou fatos cotidianos que denotam o contraste entre a necessidade do rigor nas relações e a interferência de fatores culturais diversos que acabam colidindo nas inter-relações, tornando alvos de andedotas e contos pitorescos que causam alvoroço nas relações de pudor entre as pessoas. Essa flexibilidade entre o formal e o coloquial - abrangendo um linguajar despudorento - alcançou uma platéia sem precedentes, pois as pessoas tendem a ser avessas ao exagerado rigor dos costumes, principalmente aquelas pessoas que mantêm um mascaramento natural nas suas relações, monstrando-se pudica externamente, mas extremamente fogosa nas suas relações inter-pessoais.
Os diversos artistas que deram entrevistas sob as facetas de Dercy Gonçalves como comediante, fizeram questão de anotar que ela não era só essa pessoa de linguagem impura, mas também uma excelente guardião da classe humorista conforme afirmou Stepan Nercessian, em entrevista para o site da Globo, enfatizando que: “Era uma pessoa muito solidária, Se preocupava com os colegas. Espero que ela tenha esse reconhecimento, e não apenas de uma figura caricata, que falava palavrões”. No mesmo site está registrado a seguinte manifestação do cantor Agnaldo Timóteo que disse conhecer Dercy Gonçalves a 43 anos, afirmando que a atriz deixa uma lição sem igual, porque sabia “tirar sarro da vida”. “O Homem lá de cima era seu fã porque a levou sem que sofresse, sem que ela ficasse em uma cama, convalecida. Ela merece esse descanso”.
Não podemos esquecer jamais, que o riso é uma das vertentes de saúde. Sabemos que nossa aura, ou nossas energias ocultas que possuímos como elemento de nossa conduta e de nosso dinamismo, vem consubstanciada pelos nossos gestos, pelos nossos passos, pelas nossas condutas, onde podemos externar nossa vontade de viver pelo nosso afinco aos nossos objetivos. Quando aparecemos rindo perante um grupo pessoas, que bem ao contrário, se mostam sisudas - contra nosso riso autêntico - com certeza nossas palavras serão mais ouvidas, nosso expectador nos dará mais atenção, pois sabe que estamos pronunciado palavras de incentivo e otimismo, conquanto aquele que fala obscurecido pela sua alma sombria não poderá transmitir algum entusiasmo. Esse exemplo surge cotidianamente nos meios de educação, sendo certo que aquele mestre que conduz sua aula citando exemplos e vez ou outra contando uma piadinha pertinente, sempre prevalecerá sobre aquele outro de método maçante que só se preocupa em derramar teoria.
Dercy Gonçalves, mesmo com suas rugas criadas pelo tempo, jamais demonstrou um espírito que denotasse uma velhice moribunda, ao contrário, toda vez que era entrevistada ou que aparecia na mídia demonstrava ser uma pessoa jovem, bem humorada e jamais subjugada pela idade avançada. Creio que seu exemplo também resplandesce nas inter-relações das pessoas que envelhaceram e se prostraram a um mundo de desalento em razão da proximidade do fim carnal. Toda pessoa idosa deve enxergar suas limitações físicas como um marco de experiência e não como uma decadência da alma. Permanecer jovem enquanto é velho, é um poder de equilíbrio que não pertence a todos. Quem souber fazer da velhice uma filosofia de viver, certamente terá uma despedida menos melancólica. Esse legado Dercy Gonçalves também nos deixou.
Enfim, aqui fica minha homenagem a essa gloriosa humorista. Creio que Deus na sua magnitude, enxergará seus arroubos humorísticos como um elemento de seu dom de criação e jamais como um elemento de despudor.