E DAVID DERROTOU GOLIAS...
Não se falava em outra coisa: “O Flamengo vai ganhar fácil. O Flamengo não perde para o Vitória!” “perder para um timinho do Nordeste, jamais...” O dia foi todo assim: só se ouvia isso, só se respirava Flamengo. Para quem não é torcedor do “mengão”, o domingo chegava a causar náusea. Era um mar de camisas e roupas vermelhas e pretas. Sinto um incômodo por causa desse endeusamento antecipado, desse favoritismo fortuito, menosprezando de véspera o adversário. Pois foi assim que a manhã passou. À tarde a euforia se intensificou e nas ruas as pessoas apressavam-se para ir ao Maracanã. Nas cercanias do “maraca”, a confusão era geral. Trânsito caótico, torcedores apressados dirigindo-se ao estádio em profusão. Parecia jogo de um time só. Só se via torcedores do flamengo, vestidos de vermelho e preto. Nem se tocavam que o adversário tem as mesmas cores. Alguns discretos e corajosos torcedores da equipe baiana aventuravam-se em meio ao mar de torcedores do Flamengo e se dirigiam ao estádio. O pobre do Vitória seria massacrado com certeza, e o mengo sairia do “maracá” vencedor.
O jogo começou. Lembrei-me do dia em que fui ver o Íbis jogar contra o Santa Cruz no estádio dos aflitos, em 2000, pela primeira divisão do pernambucano. Dezesseis torcedores do Pássaro Preto e o estádio tomado pela torcida do Santa. Assim foi o jogo entre o Flamengo e o Vitória. O Maracanã repleto de torcedores do Flamengo e o pobre do Vitória na arena do “Coliseu”, esperando a hora de ser abatido pelos leões, ou melhor dizendo, pelos urubus, (leão é o mascote do Vitória). A torcida o tempo todo cantava: “levantou poeiraaaaaa!”e gritava: “mengooooo... mengooooo...”.
Por certo os jogadores do modesto Vitória entrariam já sentindo-se mortos, devorados pelas feras, e não seriam páreo. Ninguém haveria de estragar aquela festa. Muito menos o Vitória. No máximo, poderia participar dela. Só isso.
O jogo começou. Posso até afirmar que os boleiros mais antigos devem ter se recordados mesmo que por momentos de Brasil e Uruguai, não naquelas dimensões claro, mas pela situação de favoritismo e superioridade do Flamengo. E o que se viu à medida que o jogo se desenrolava, foi que o favoritismo do Flamengo não se confirmava. Os gladiadores rubro-negros nada produziam de satisfatório. Os cristãos do Vitória, á princípio acuados, foram aos poucos inspirando-se nos mandamentos de seu técnico, irmanando-se e reunindo forças partindo então para cima dos algozes. O final todos sabem: Vitória venceu o Flamengo. Os jogadores festejavam a vitória inédita para aquela humilde equipe de um estado do Nordeste. sôbre o todo poderoso rubro-negro carioca. Todos extenuados, suados (ou será ungidos pela força positiva dos torcedores das demais equipes cariocas que torciam intimamente pela derrocada do Flamengo) e felizes. Restava aos urubus do mengo recolherem-se ao vestiário para lamber suas feridas, tentando entender o que aconteceu e guardar para sempre na lembrança “o dia em que David derrotou Golias”.
* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização. Visite meu site: www.ramos.prosaeverso.net